Alberto GINASTERA
Para Alberto Ginastera, como para o mundo estilhaçado, 1945 tornou-se o recomeço inevitável. Cada vez mais dissonante em relação às políticas nacionais argentinas, o compositor foi demitido do cargo de professor da Academia Militar. Com essa demissão e o recrudescimento da política peronista, decidiu partir nesse mesmo ano para os Estados Unidos.
Em 1941, Ginastera participara do Berkshire Summer Music Festival. Em Tanglewood, sede do festival, conheceu Aaron Copland e, com seu incentivo, candidatou-se a uma bolsa da Fundação Guggenheim, com proposta ousada e abrangente: pretendia aproximar-se das instituições de ensino de música norte-americanas, em busca de sugestões pedagógicas para as escolas argentinas. Em colaboração com Copland, exploraria as poéticas musicais do teatro, cinema e rádio e promoveria o intercâmbio musical no continente americano, divulgando nos Estados Unidos as obras de seus colegas argentinos. Apesar de receber a bolsa em 1942, resolveu usá-la somente na crise de 1945, estabelecendo-se em Nova York até 1947.
O “período Guggenheim” deu novos direcionamentos ao trabalho de Ginastera. Permitiu que o compositor tomasse contato com a música dos mais expressivos compositores norte-americanos: Barber, Carter, Harris, Piston e Sessions. Aproximou Ginastera das obras de Stravinsky, de Schoenberg, de Hindemith – refugiados nos Estados Unidos – e, mais especialmente, as de Bartók, que recebiam renovado interesse em razão de sua morte recente. A vivência intensa do rico movimento cultural da cidade e as visitas a Columbia, Eastman, Harvard, Juilliard e Yale nutriram tendências cosmopolitas que se expressariam em suas obras finais. Em contrapartida, revitalizaram a diretriz nacionalista que ele vivia naquele momento. Segundo sugestão do próprio compositor, divide-se seu trabalho em três momentos estilísticos, “nacionalismo objetivo” (1934–1947), “nacionalismo subjetivo” (1947–1957), “neo-Expressionismo” (a partir de 1958). O momento vivido nos Estados Unidos encerra a fase das referências diretas ao folclore argentino por meios tonais tradicionais e abre os caminhos para a síntese desses elementos folclóricos a favor de um estilo argentino original.
A Suite de Danzas Criollas, op. 15, última obra do “período Guggenheim”, foi composta em 1946 e ilustra o movimento de expansão estilística vivido pelo compositor. Sugere elementos musicais latino-americanos, em prejuízo das referências diretas ao folclore argentino. Alinha expansões harmônicas , assim como polarizações em dissonâncias penetrantes, a particularidades estruturais da música para piano de Bartók. Mescla sincopado e direcionamentos rítmicos dançantes, inspirados na tradição gauchesca, a sequências líricas e à nostalgia do exilado. Os elementos argentinos são trabalhados menos como evocação de raízes do que expressão de um ser humano deslocado. A Suíte conta com cinco danças que, na contramão do nacionalismo, não recebem títulos característicos: 1 – Adagietto pianissimo; 2 – Allegro rustico; 3 – Allegretto cantabile; 4 – Calmo e poético; 5 – Scherzando – coda: presto e energico. O título da Suíte refere-se à tradição crioula – herdeira da linguagem e da música espanholas –, que se afirma em contraposição às tradições indígenas pré-hispânicas. Composta para piano, foi estreada em Buenos Aires em 26 de julho de 1947 por Rudolf Firkusny. A orquestração é do compositor israelense Shimon Cohen.
Igor Reyner
Pianista, mestrando em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais.