Suíte de Danças

Bela BARTÓK

(1923)

Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta, piano, cordas.

 

A arte de Béla Bartók associa-se diretamente às suas pesquisas sobre as manifestações musicais folclóricas da Europa Oriental. Guiado por um espírito científico, o compositor recolheu, classificou e analisou metodicamente milhares de canções, percorrendo países como Eslováquia, Romênia, Arábia (1913), Sérvia, Croácia, Anatólia e Bulgária, chegando ao norte da África (1932) e à Turquia (1936). Bartók assimilou a surpreendente riqueza rítmica do folclore, desenvolveu apurado senso tímbrico e libertou-se (pelo uso sistemático de modos e escalas antigas) da hegemonia do sistema tonal. Ao incorporar elementos “primitivistas” à melhor tradição erudita ocidental, Bartók alinhou-se entre os compositores mais originais, inovadores e influentes do século XX – sua contribuição foi decisiva para a renovação da linguagem musical contemporânea.

 

Bartók reconhecia-se tributário, sobretudo, da influência de três grandes compositores: Debussy (pelo sentimento dos acordes), Beethoven (pela revelação da forma progressiva) e Bach (pela ciência do contraponto). De Bach herdou também o amor pelos números e, como o grande mestre barroco, Béla Bartók conscientemente cultivou conceitos matemáticos (a seção áurea; a sequência de Fibonacci) visando o equilíbrio entre inspiração musical e realização formal.

 

A Suíte de Danças, primeira obra de Bartók oficialmente encomendada, foi escrita em 1923 para o cinquentenário da união das cidades de Buda e Peste. Apesar do caráter patriótico da celebração, as cinco danças (interligadas por um refrão de caráter húngaro) apresentam também elementos árabes e romenos. O compositor adotou um processo de improvisação melódica comum a diversas culturas camponesas: a obra começa com notas repetitivas, confinadas a um âmbito intervalar restrito; e a extensão de toda a escala é conquistada progressivamente, com a ampliação dos intervalos.

 

Na primeira dança – Tranquillo – o intervalo privilegiado é o de segundas (diminutas e aumentadas), a partir de uma nota central. O monótono tema do fagote recorda o Norte da África. O suave refrão húngaro é apresentado, tímido e hesitante, pelos violinos. A segunda dança – Allegro molto – constrói-se sobre intervalos de terças e possui evidente caráter húngaro. O refrão é confiado ao clarinete. A terceira dança – Allegro vivo – apresenta influências romenas, húngaras e árabes. O intervalo valorizado é o de quarta. Um falso refrão atinge um ponto culminante e encadeia-se diretamente com o próximo movimento. A quarta dança – Molto tranquillo – é a mais lenta do conjunto. O intervalo predominante é o das quintas que, superpostas, acompanham um dolente motivo oriental. O refrão se reduz a apenas uma vaga recordação. A quinta dança – Comodo – possui um caráter rústico tão primitivo que, certamente, antecede qualquer conceito moderno de nacionalidade. Trata-se de um estudo rítmico.

 

O importante final – Allegro, Più allegro, Allegro molto – trabalha os vários temas das danças anteriores, realizando uma síntese de seus diferentes estilos. Delicadamente o refrão introduz a coda, e a Suíte termina em clima de entusiasmo, vivacidade e alegria.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.

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