Grande Sinfonia Heroica, op. 19

Sigismund Neukomm

(1818)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

Ao chegar ao Brasil em 1816, Sigismund Ritter von Neukomm integrava a comitiva do Duque de Luxemburgo que tinha como tarefa estreitar as relações entre França e Brasil. A corte lusitana já se havia estabelecido na cidade do Rio de Janeiro desde 1808. Assim, instituições como a Capela Real e a Real Casa de Ópera estavam devidamente instaladas e em pleno funcionamento. Imediatamente Neukomm foi integrado à vida musical como professor público de música, compositor e instrumentista, tornando-se instrutor de D. Pedro I, Dona Leopoldina e da princesa Isabel. Deu aulas a Francisco Manoel da Silva e manteve uma convivência muito próxima a José Maurício Nunes Garcia.

 

Segundo anotações próprias, Sigismund Neukomm compôs mais de 1.200 obras, em sua grande maioria sacras, além de canções, obras para coro e aberturas. No período em que viveu no Rio de Janeiro, escreveu música de câmara e harmonizou modinhas de Joaquim Manoel Gago da Câmara, hoje preservadas nos arquivos das bibliotecas nacionais de Madri e da França e na British Library, em Londres.

 

A Sinfonia, intimamente ligada aos gêneros dramáticos, em sua origem – sobretudo às aberturas de óperas e oratórios –, tornou-se autônoma durante o século XVIII. A Grande Sinfonia Heroica foi composta, ao que tudo indica, em solo brasileiro, nos anos em que Neukmonn trabalhou para Dom João VI. Ao sugerir um título, o compositor nos coloca alguns indícios: o adjetivo grande liga-se, primeiramente, à sua dimensão, já que está organizada em quatro movimentos, seguindo os passos de seu mestre, Joseph Haydn. A combinação com o adjetivo heroico acrescenta os sentidos de imponência e majestade, marcando assim o caráter que delineia a obra.

 

De qualquer modo, e mantendo a ligação com sua origem, Sigismund Neukomm potencializará o caráter dramático da Sinfonia apostando nos contrastes sonoros, sejam estes temáticos, tímbricos ou dinâmicos, sugerindo sonoridades grandiosas, ou então temas delicados, jocosos ou melodiosos, como no início do primeiro movimento, Andante sostenuto. No segundo movimento apresenta-nos um gracioso minueto com trio em estilo vienense. No terceiro, Andante con poco di moto, uma marcha elegante antecede o solo do violino, charmoso e brilhante, à guisa de uma ária, direcionando a peça para a surpreendente citação de See, the conqu’ring hero comes! (Cantate Domino) do oratório Judas Maccabæus de Haendel, apresentada de modo solene. No movimento final, um Allegro molto, contrapõe um tema brilhante a um tema cantábile, ambos expostos nas cordas, terminando de modo enérgico e grandioso, recuperando, assim, o caráter heroico e grandioso do início da peça.

 

Em toda a Sinfonia, a sugestão de marchas militares e de um caráter ora grandioso, ora solene e elegante, está sempre presente. Já a dramaticidade não se articula apenas na orquestração, que contrapõe a textura da grande orquestra à expressividade tímbrica dos metais e madeiras, aliados à presença enérgica da percussão; mas também na quebra do fluxo musical, o drama per musica, apostando na descontinuidade e no conflito entre os elementos sonoros como característica fundamental de seu discurso.

 

Edilson Vicente de Lima
Doutor em Musicologia pela USP, Mestre em Artes pela Unesp, professor na Universidade Federal de Ouro Preto.

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