Homenagem ao tango

Daniel BINELLI

(2008)

Instrumentação: piccolo, flauta, oboé, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

Homenagem ao tango é um concerto duplo para piano, bandoneon e orquestra. Foi comissionado pela Orquestra Sinfônica da Universidade de Utah, na figura do maestro Sergio Bernal, que dirigiu a estreia da obra em 2008, tendo Polly Ferman ao piano e o próprio compositor ao bandoneon. A obra consiste em três movimentos executados sem interrupção: El Gran Tango (Adagio), Milonga-Candombe, Requiem.

 

No primeiro movimento, é o piano quem conduz os passos iniciais da dança: a aparição do bandoneon é vibrante, porém efêmera. A primeira parte homenageia a alma revolta do tango nuevo de Astor Piazzolla. O ritmo, bem marcado e tenso, só é interrompido após o solo do piano, este, um recitativo sentimental que logo deflagrará um novo timbre do bandoneon, sussurrado em uma nota, pungente e distante, que se transforma em solo reluzente e pleno de nostalgia. Temos, então, a homenagem ao tango arrabalero, suburbano, imortalizado na voz de Gardel. Do tango canción retorna-se ao tango nuevo, estilo do qual Daniel Binelli é o representante vivo. O piano convida novamente seu parceiro à dança desafiadora, marcha quaternária cheia de arrastres e acentos deslocados.

 

Dois gêneros diferentes de dança se revezam no segundo movimento – milonga e candombe –, ambos trazidos dos povos africanos e incorporados à cultura argentina. A milonga é o único gênero de dança argentina capaz de ombrear com o tango. A estrutura rítmica da milonga é imutável, seja ela executada lenta como a habanera cubana, ou rápida como o maxixe brasileiro. A milonga lenta do segundo movimento introduz o ouvinte ao tango cabaretero, dos boêmios amargurados, dos cantores e das dançarinas. Bem diferente é o agitado candombe rioplatense, de origem afro-uruguaia, no qual a percussão orquestral é acrescida de tambores africanos. É um tributo à origem da palavra tango que, em línguas africanas – tangó ou tambó – designa uma espécie de tambor pequeno.

 

O terceiro movimento, denominado Requiem, é uma homenagem à memória do pianista Osvaldo Pugliese e do bandoneonista AstorPiazzolla, dois famosos compositores argentinos representados pelos instrumentos solistas. Por inúmeras vezes Binelli teve o privilégio de dividir o palco com Pugliese e Piazzolla, em concertos e turnês internacionais. Requiem pode ser interpretado como uma elegia extensiva a outros grandes nomes do tango, tais como Anibal Troilo, Julio de Caro, Angel Villoldo, Juan D’Arienzo e Francisco Canaro. O título não deve confundir-se com o réquiem do tango, gênero que conforta os melancólicos e inspira os apaixonados: “de jeito nenhum é uma língua morta, eu vejo o tango forte, lúcido e revitalizado”, defende o compositor Daniel Binelli. Homenagem ao tango é exemplo do tango avant-garde que continua a representar a música argentina. É também exemplo de um gênero recente – o tango orquestral ou sinfônico. Representa a almejada fusão do novo e do tradicional, reverenciando um nobre passado: isto sim é uma verdadeira homenagem ao tango.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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