Concerto para violino em Ré maior

Aram Khatchaturian

(1940)

 

O compositor georgiano de origem armênia Aram Khatchaturian sempre foi fascinado pela música que ouvia nas ruas de sua cidade natal quando jovem. No início do século XX, Tbilisi era uma das cidades mais vibrantes do Império Russo. Localizada no centro do Cáucaso, próxima à Turquia, Armênia, Azerbaijão e Rússia, tendo a oeste o Mar Negro e a leste o Mar Cáspio, Tbilisi foi, por séculos, um importante centro comercial. Habitada por todos os povos da região, Tbilisi era uma grande encruzilhada étnica. O jovem Khatchaturian adorava passear pela cidade ouvindo a música que emanava das praças e ruelas dos bairros pobres. Em casa, passava horas tentando reproduzir, no velho piano de seu pai, as canções que ouvia nas ruas, ou batucando insistentemente na mesa e cadeiras os ritmos alucinantes das músicas populares. A música folclórica dos povos do Cáucaso o acompanharia a vida toda.

 

Anos depois, em Moscou, no verão de 1940, o já internacionalmente conhecido Khatchaturian sentava-se para compor seu Concerto para violino, fortemente inspirado na música folclórica da sua cidade natal. Seus três concertos para solista e orquestra são o ponto máximo de sua produção composicional. O primeiro, o Concerto para piano (1936), proporcionou-lhe o reconhecimento internacional. O segundo, o Concerto para violino (1940), entraria para o repertório de todos os grandes violinistas do século. E o terceiro, o Concerto para violoncelo e orquestra (1946), ajudaria a estabelecer, definitivamente, seu lugar como um dos compositores mais importantes do século XX.

 

A composição do Concerto para violino  deu-se em apenas dois meses e meio. A obra foi estreada no dia 16 de novembro de 1940, na recém-inaugurada Sala Tchaikovsky, em Moscou, pela Orquestra Sinfônica Estatal da URSS, sob a regência de Aleksandr Vassilievich Gauk. O solista foi o jovem violinista russo David Oistrakh, a quem o concerto foi dedicado e que assim comentou: “Nunca me esquecerei das celebrações da recém-inaugurada Sala Tchaikovsky, onde a estreia aconteceu. Prokofiev, Shostakovich e Myaskovsky estavam na plateia. Lembro-me perfeitamente bem do dia em que Katchaturian veio à nossa casa de campo, no verão de 1940. Ele estava tão entusiasmado com a sua nova composição que correu imediatamente para o piano. Seu modo intenso de tocá-la fascinou a todos.” “Comecei a estudá-la tão logo consegui alguns rascunhos do compositor. Todos os amantes da música apreciaram vivamente o Concerto. Ele foi reapresentado poucos dias após a estreia” “…posso dizer com certeza que é impossível permanecer indiferente a este Concerto”.

 

O encanto do Concerto para violino de Khatchaturian reside, especialmente, na riqueza de suas melodias e na generosidade de seus coloridos folclóricos. O primeiro movimento (Allegro con fermezza) inicia-se com uma breve introdução da orquestra, seguida da entrada do solista, que apresenta um primeiro tema intenso e vivo, acompanhado por um ritmo insistente da orquestra. Aos poucos a movimentação frenética do início dá lugar a uma atmosfera mais calma, em que o violino apresenta um segundo tema, desta vez triste, com um toque de lamento cigano. A seção central apresenta o violino em várias passagens virtuosísticas, intercaladas com breves respostas da orquestra. Na terceira e última seção ouvimos novamente a introdução e os dois temas do início, ligeiramente modificados, que desembocam em um desfecho vibrante, baseado em fragmentos do primeiro tema.

 

A atmosfera misteriosa do segundo movimento (Andante sostenuto) é prontamente estabelecida pelas madeiras e cordas graves. O solista apresenta um longo tema melancólico, cheio de reminiscências do folclore armênio. Próximo do fim, um tutti orquestral prepara a breve volta do violino. O movimento termina tão misterioso como começou.

 

No terceiro movimento (Allegro vivace) uma fanfarra orquestral prepara a entrada de um tema alegre tocado pelo violino. O violino nos conduz à apresentação de um segundo tema, de caráter mais lírico. Ambos os temas sofrem constantes modificações ao longo do movimento, até o ponto em que súbitos ataques da orquestra nos conduzem ao final do Concerto.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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