Sinfonia Espanhola, op. 21

Édouard Lalo

(1875)

 

Édouard Lalo, excelente violinista, contribuiu consideravelmente para o renascimento da música instrumental francesa no final do século XIX. Em 1855, abdicou da carreira de solista e criou o quarteto de cordas Armingaud, visando a difusão da música de câmara, gênero então pouco valorizado na França. Apresentou ao público parisiense os quartetos de Haydn, Mozart e Beethoven. Em 1871, participou da fundação da Sociedade Nacional de Música, dedicada exclusivamente à divulgação do repertório e dos compositores daquele país.

 

O estilo de Lalo, elogiado por contemporâneos como Fauré, Chausson, Debussy e Chabrier, marca-se com características típicas da melhor tradição francesa: a clareza das ideias e das formas, a leveza de expressão e a nitidez do colorido orquestral.

 

Em sua obra mais conhecida, a popular Sinfonia Espanhola, o compositor explora os ritmos ibéricos que, na época, representavam inovação ousada para a música francesa e uma reação efetiva à hegemonia da música germânica. A ensolarada Espanha opunha-se, no imaginário francês, ao soturno universo wagneriano. (A Carmen, de Bizet, estreou pouco depois!). A Sinfonia foi dedicada ao célebre violinista espanhol Pablo de Sarasate, que a estreou em Paris a 7 de fevereiro de 1875 nos Concertos Populares. Formalmente, a Sinfonia Espanhola aproxima-se muito de um concerto para violino e orquestra – apesar da ausência de cadências, as exigências ao intérprete são enormes e a peça integrou-se definitivamente ao repertório concertante dos violinistas. O título de Sinfonia provavelmente procura enfatizar o importante papel da orquestra no conjunto da peça que, sob esse aspecto, lembra também a forma da sinfonia concertante. Por outro lado, o emprego insistente de ritmos espanhóis confere à partitura a feição de uma suíte de danças, ordenada em cinco movimentos:

O Allegro non troppo inicial segue a forma sonata de dois temas, mantendo a organização de uma sinfonia tradicional. A discreta ambientação espanhola utiliza o ritmo da malagueña.

No Scherzando, o pizzicato da orquestra acompanha a sinuosa melodia do solista. O tema sincopado, com surpreendentes deslocamentos dos acentos, salta sobre o ritmo da seguidilla, em clima de livre improvisação.

O Intermezzo – Allegretto é a parte mais tipicamente espanhola da obra, com o ritmo de uma habanera alegremente descontraída.

O Andante tem a forma A-B-A típica de canção. As cordas graves e os metais anunciam, com um coral sombrio e expressivo, o tema que, depois, será confiado ao violino. O aspecto hispânico confunde-se com os ritmos variados à moda cigana.

No Rondo-Allegro final, após uma levíssima introdução (dois oboés, duas flautas e a harpa), o motivo exposto pelo fagote cria um baixo ostinato, sobre o qual o solista desenha a melodia de um saltarello em sucessões de notas rápidas, virtuosísticas e sincopadas. Há uma recordação da malagueña do primeiro movimento; um último tema – Poco più lento – desenvolve-se livremente; e o retorno dos motivos iniciais do rondó conclui a obra de maneira brilhante.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, Professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado: Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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