Les offrandes oubliées

Olivier MESSIAEN

(1930)

O ambiente familiar foi bastante favorável à precoce vocação musical de Messiaen. Seu pai era um aclamado tradutor de literatura inglesa e a mãe, Cécile Sauvage, poetisa de grande sensibilidade. Aos onze anos, Olivier ingressou no Conservatório de Paris para estudar piano, composição e órgão, tendo como principais mestres Maurice Emmanuel, Paul Dukas e Marcel Dupré (órgão). Obteve cinco primeiros prêmios.

Com vinte e dois anos, Messiaen foi nomeado organista titular da igreja da Santíssima Trindade e, em 1936, participa do grupo Jeune France, com Jolivet, Lesur e Baudrier, propondo a restauração dos “valores humanistas e do espiritualismo na música”. O catolicismo fervoroso de Messiaen se ajustava a esses ideais, e o dedicado organista se vangloriava de pertencer à linhagem de eminentes músicos franceses que, desde Pérotin, no século XII, trabalharam a serviço das igrejas parisienses.

Messiaen só abandonou o cargo entre 1940 e 1941, para trabalhar como enfermeiro durante a Segunda Guerra. Capturado, foi transferido para um campo de prisioneiros. Entre seus companheiros de cativeiro contavam-se um violinista, um violoncelista e um clarinetista. Para esse conjunto, acrescido de um velho piano, Messiaen escreveu o célebre Quarteto para o fim do tempo, cuja estreia se deu perante cinco mil prisioneiros, num gelado janeiro de 1942. Além da esperada religiosidade, o compositor aqui incorpora, pela primeira vez em sua música, o canto das aves, recurso permanente em suas obras posteriores.

Fé religiosa e fascínio pela Natureza, atributos Jeune France, poderiam ter isolado o compositor de seus pares, representantes de um século eminentemente laico e tecnicista. Entretanto, Messiaen se impôs como personalidade autenticamente revolucionária – a grande liberdade poética e a concepção ideológica de sua música tornam-se convincentes pelo rigor científico de seu suporte teórico. Estudou de perto os problemas mais complexos da rítmica grega, indiana, de Bali, do Japão e da América Andina. Inspirou-se em Debussy, no serialismo, na atonalidade, e cultivou de forma personalíssima as ressonâncias e os acordes de timbres. Conseguiu integrar o canto dos pássaros em sua linguagem, graças a um sistema de transposição dotado de lógica e engenhosidade espantosas.

Em 1942, Messiaen tornou-se professor no Conservatório de Paris e, desde então, sua influência sobre a nova geração virá a ser enorme, embora sempre controversa. Seus cursos foram frequentados por compositores como Pierre Boulez, Xenakis, Stockhausen e o brasileiro Almeida Prado.

Quando publicou As oferendas esquecidas, Messiaen tinha 22 anos. A obra traz o subtítulo de Meditação Sinfônica e um breve poema-prece do compositor – “A Cruz e a Eucaristia são as oferendas divinas. Doce Jesus, vós nos amais e nós Vos esquecemos”. Apresenta três partes encadeadas. A primeira seção (A cruz) constitui uma Abertura “quase lenta, dolorosa e profundamente triste”. Confiada principalmente às cordas, evoca o sacrifício do Cristo. A seção central (O pecado) é a única que mobiliza toda a orquestra, com grande turbulência rítmica e sonora. A seção final (A eucaristia) traz a indicação “lento, com grande piedade e grande amor”. Os primeiros violinos desenham uma delicada melodia sobre os acordes das violas e dos segundos violinos – “como um vitral vermelho, dourado e azul”.

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.

 

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