L’Isle Joyeuse

Claude DEBUSSY

(1904 | Orquestração por Bernardino Molinari, 1917)

Instrumentação: Piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 3 clarinetes, clarone, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, celesta, cordas.

 

Cantam os hinos homéricos, coleção de trinta e três antigos hinos gregos em celebração aos deuses, que a deusa da beleza e do amor, Afrodite, nascera da espuma que se acumulara junto às gônadas de Urano, lançadas ao mar por seu filho Cronos, que o havia destronado e castrado. Das espumas, Afrodite caminhara para a ilha de Citera, local que ficaria associado aos prazeres amorosos. Em 1717, a ilha dos amantes serviu de inspiração ao quadro Peregrinação à ilha de Citera, submetido à Academia Real de Pintura e Escultura Francesa, como peça de candidatura de Antoine Watteau. A obra foi recebida com tamanho êxito que o pintor não apenas foi admitido na Academia, como também um gênero de pintura passou a ser nomeado segundo seu estilo: festas galantes – referência aos passeios campestres e eventos lúdicos a céu aberto promovidos pela aristocracia francesa ao longo do século XVIII e retratados por Watteau. É esse o quadro que, acredita-se, serviu de inspiração para a obra L’Isle Joyeuse, seja por sua semelhança temática, seja pelo fato de Debussy, admirador de Watteau, ter composto no mesmo período outras peças inspiradas no mestre rococó.

 

À época da composição de L’Isle Joyeuse, Debussy testemunhava um sucesso crescente como músico. Devido à grande repercussão da ópera Pelléas et Mélisande, estreada em 1902, e da publicação de suas críticas musicais sob o pseudônimo de Monsieur Croche, Debussy projetava-se como figura central no cenário musical francês. Porém, o relacionamento extraconjugal com Emma Bardac, esposa de um importante banqueiro, ameaçava sua reputação e ceifava-lhe amizades. Assim, em 1904, absorvido pela composição de La Mer e um tanto quanto sufocado pela sociedade parisiense, Debussy decide isolar-se com Emma na Ilha de Jersey. Ali, conclui o segundo álbum de Fêtes galantes, ciclo de canções inspirada na obra de Verlaine, e a peça Masques, inspirada na pintura Mezzetin de Watteau. Trabalha ainda em La Mer e revisa L’Isle Joyeuse, que seria concluída somente em agosto de 1904, em Dieppe, na França. L’Isle Joyeuse foi concebida incialmente como a última peça de um tríptico para piano que levaria o nome de Suíte Bergamasque e que incluiria as peças Masques e, possivelmente, D’un cahier d’esquisses. Devido a conflitos com editores, no entanto, a obra foi publicada isoladamente, e o que se publica em 1905 sob o título de Suíte bergamasque é a famosa coleção de peças de 1890 eternizada por Clair de lune. Estreada no dia 18 de fevereiro de 1905 pelo pianista Ricardo Viñes, L’Isle Joyeuse tem como verdadeira inspiração a ilha de Jersey, essa ilha feliz onde sua música e seu amor por Emma puderam florescer sem medos e tormentos.

 

A peça é uma peregrinação musical ao território das sensações, expectativas e êxtases dos prazeres amorosos, intempestivos como o mar. A combinação das escalas de tons inteiros e diatônica e o modo lídio traduz em música a complexidade da alma apaixonada, que oscila entre idílicos momentos de contemplação e extáticos e indômitos momentos de júbilo. Coube ao amigo e regente italiano Bernardino Molinari, sob as bênçãos e indicações do próprio compositor, orquestrar em 1917 esse testemunho musical de um paradisíaco momento de alegria.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

 

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