Pelléas e Mélisande, op. 80: Suíte

Gabriel FAURÉ

(1898)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, harpa, cordas.

 

A peça Pelléas e Mélisande do escritor simbolista belga Maurice Maeterlinck, desde sua estreia em Paris, motivou a criação de importantes obras musicais. Para ela, Sibelius compôs uma suíte orquestral. Debussy transformou-a em sua única ópera completa, e Schoenberg converteu o argumento em longo poema sinfônico. Mas Fauré antecedeu a todos, quando aceitou escrever a música incidental para a apresentação inglesa do drama. Pressionado pelo exíguo prazo de um mês e meio para elaborar a partitura, o compositor acrescentou ao novo trabalho uma Siciliana, publicada anteriormente para violoncelo e piano. E confiou a orquestração a seu aluno Charles Koechlin. Após o sucesso dessa estreia londrina, Fauré filtrou da música de cena uma suíte de quatro peças que ele próprio reorquestrou para formação sinfônica mais ampla.

 

Aluno de Saint-Saëns e professor de Ravel, Fauré foi igualmente músico de tradição e inovador, jamais um conservador ou revolucionário. Sem romper com o passado, procurou expressar-se de maneira sempre nova. Além de compositor, exerceu múltiplas atividades musicais – redator musical de Le Figaro, organista na igreja da Madeleine, professor de composição e diretor do Conservatório de Paris. Mesmo surdo (desde 1903), continuou compondo. Dedicou-se principalmente ao piano solo e às obras camerísticas, incluindo o gênero da canção, tão importante para ele. Avesso a qualquer efeito exterior ou gesto grandiloquente, seu gênio encontrou, nesses domínios mais intimistas, espaço adequado para requintadas indagações formais, sobretudo no campo da harmonia. A postura escrupulosa em relação à orquestra explica a relativa escassez de sua produção sinfônica, na qual, entretanto, Fauré soube preservar aristocrática discrição, originalidade e sensibilidade refinadas.

 

O Prelúdio (Quasi adagio) da Suíte op. 80 inicia-se com o delicado tema de Mélisande, nas cordas. Paulatinamente, com tratamento contrapontístico e em crescendo, ele se liga a um motivo mais trágico, no agudo das flautas. No desenvolvimento dessas duas ideias, o oboé e o clarinete intervêm conduzindo a um fortissimo e allargando. Uma descida, notável por seus cromatismos, antecede a coda, cujos insistentes toques de trompa sugerem o chamado de Golaud, irmão de Pelléas e marido de Mélisande.

 

Fileuse (Andantino quasi allegretto) tem caráter descritivo, com o torvelinho das cordas em surdina evocando Mélisande à roca. O primeiro tema, apresentado pelo oboé, está em Sol maior, e o segundo, mais amplo, em sol menor.

 

A Sicilienne (Allegro molto moderato) prepara o encontro dos apaixonados junto à fonte abandonada. O sabor arcaizante e repleto de lirismo traz um pouco de serenidade à partitura, com a envolvente melodia da flauta, os reflexos da harpa e o murmúrio das cordas.

 

O Molto adagio final é uma marcha fúnebre de ritmo obsessivo, sobre um desenho de quatro notas. Os sopros anunciam o triste tema. Um arpejo nas cordas divididas anuncia a morte de Mélisande e a música termina desolada, com o motivo da heroína no agudo das cordas, em surdina.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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