Pelléas et Mélisande, op. 46

Jean SIBELIUS

(1904/1905)

Instrumentação: Piccolo, flauta, oboé, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, tímpanos, percussão, cordas.

 

Figura central na criação de uma voz finlandesa para a música erudita no final do século XIX e início do século XX, Jean Sibelius tornou-se um herói nacional; contudo, a recepção de sua obra em outros países foi das mais controversas na música erudita do século XX.

 

A Finlândia foi controlada pela Suécia do século XII até o início do século XIX, quando se tornou um Grão-ducado autônomo governado pela Rússia. Na segunda metade do século XIX manifestavam-se ali mudanças econômicas e culturais. Uma elite cosmopolita de extração sueca, à qual Sibelius pertencia linguisticamente, controlava o governo, a educação, o comércio costeiro e as belas artes, enquanto no interior a maioria da população falava finlandês e não tinha representação no poder, mas buscava legitimar a própria língua como catalisadora de uma identidade autêntica e assertiva. A vida e a carreira de Sibelius refletem o embate entre uma cultura escandinava e cosmopolita, e outra, fino-úgrica, com raízes no campesinato, inescrutável para o resto do mundo. Se o compositor fracassa em firmar-se nos círculos musicais dominantes do neorromantismo franco-germânico, seu desejo de reconduzir o som a uma crueza primordial e violar as convenções do establishment europeu irá de mãos dadas com o cultivo da cultura finlandesa em ascensão. Sua música se distingue pelo uso heterodoxo da harmonia triádica (do acorde de três sons), pela cor orquestral e por processos próprios de organização. Ele foi um mestre da continuidade sinfônica e da estrutura musical condensada.

 

Sibelius começou a escrever a música de cena para uma montagem de Pelléas et Mélisande, de Maurice Maeterlinck, em 1904. A obra é posterior à suíte homônima de Fauré (1898), à ópera de Debussy (1902) e ao poema sinfônico de Schoenberg (1903). O drama narra um amor impossível em tempo e lugar indeterminados. Se o enredo é simples, os locais (floresta, fonte, gruta, castelo), os objetos (coroa, anel, lampião) e as situações (cegueira, escuridão) carregam denso simbolismo. A montagem do Teatro Sueco de Helsinque estreou em 17 de março de 1905 sob a regência do compositor. A suíte orquestral reteve nove dos dez movimentos da música de cena: Diante da porta do castelo; Mélisande; À beira-mar; Uma fonte no parque; As três irmãs cegas; Pastoral; Mélisande na roca; Entreato; Morte de Mélisande.

 

Pelléas et Mélisande encerra o ciclo imediatamente anterior ao período intermediário da produção de Sibelius. Após a estreia, o compositor, então com 39 anos de idade, viaja para a Inglaterra e encontra lá o reconhecimento que os centros principais da Europa continental não lhe outorgavam senão com cautelosa parcimônia. Sibelius se pergunta: seria possível continuar a ser considerado inequivocamente moderno – pela linguagem única, pela radicalidade da cor orquestral e pela ousadia da ideia – e simultaneamente ir contra as correntes sensacionalistas do modernismo através da recuperação da economia e da lógica do ideal clássico? Esse classicismo moderno, abertamente hostil ao apelo popular, será sua estratégia para os anos seguintes.

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

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