Pequena missa solene

Gioacchino Rossini

(1863, revisão 1869)

Na primeira metade do século XIX nenhum compositor desfrutou de prestígio, riqueza, aclamação popular e influência comparáveis aos de Rossini. Sua carreira se desenvolve em cinco etapas: na primeira, de 1804 a 1813, em Bolonha, ele dá prosseguimento a seus estudos e se consagra na opera buffa; na segunda, de 1815 a 1823, em Nápoles, cria principalmente opera seria e começa a tornar-se conhecido no exterior; na terceira, de 1824 a 1829, transfere-se para Paris onde, a serviço de Charles X, sintetiza as tradições operísticas francesa e italiana e compõe sua última ópera, Guilherme Tell (1829), uma das primeiras grands opéras ; na quarta, retorna à Itália em 1830 e, tendo adoecido, raramente escreve música; por fim, em 1855, Rossini se restabelece em Paris e volta a compor. Se suas óperas haviam definido a natureza do gênero durante a primeira metade do século XIX, seus últimos trabalhos seriam a música que a Paris cultivada afluiria para escutar no salão do compositor. Eles seduziram uma geração de músicos franceses e anteciparam o neoclassicismo de Camille Saint-Saëns e o humor de Erik Satie.

 

O trabalho mais importante desse período, a Pequena missa solene para vozes com acompanhamento de dois pianos e harmônio, foi concluído em 1863. Rossini inscreve na primeira página: “Doze cantores de três sexos, homens, mulheres e castrati, serão suficientes para a execução. Isto é, oito para o coro e quatro para o solo, no total de doze querubins”. Em nota introdutória, refere-se à Missa como “o último Pecado mortal de minha Velhice”, e, no final do manuscrito, anota: “Bom Deus, ei-la terminada, esta pobre pequena Missa. É música santa ou santa música o que acabo de concluir? Nasci para a opera buffa, bem sabes! Pouca ciência, um pouco de coração, eis tudo. Sê pois, então, abençoado e concede-me o Paraíso”.

 

A Missa estreou na consagração da capela privada da condessa Louise Pillet-Will em 14 de março de 1864. Embora preferisse a versão de câmara, Rossini orquestrou-a em 1867 – receoso de que outrem o fizesse – no intuito de apresentá-la numa “grande basílica”, mas o papa Pio IX, chamado a interceder devido à presença de vozes femininas, não autorizou execuções. A orquestração estreou postumamente na sala do Théâtre Italien, em 24 de fevereiro de 1869.

 

O qualificativo “pequena” alude à formação original e ao caráter “de salão” da peça; não à sua duração. A Pequena missa solene retoma tradições históricas com vocabulário moderno. Rossini se remete a Palestrina e Bach, e sua música vem a conectar-se a César Frank, Gabriel Fauré e Francis Poulenc. Uma profusão de melodias permeia a escrita contrapontística, o cromatismo elaborado e a invenção harmônica. As fugas duplas do Glória e do Credo são complexas em comparação com a polifonia de suas obras sacras anteriores. Todo o Credo prima pela economia, e o Cruxifixus, uma ária com acompanhamento simples, destaca-se pelas alterações cromáticas. A Pequena missa solene continua a impressionar gerações na revelação do homem cuja personalidade insiste em parecer um gracejo.

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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