Concerto para piano nº 3 em ré menor, op. 30

Sergei RACHMANINOV

(1909)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Eclético e imaginativo, Rachmaninov herdou o lirismo russo de Tchaikovsky, a proficiência pianística de Liszt e a liberdade emotiva e anticerebral de Grieg. Esta última ligada à doutrina do belo e à utilização dos elementos nacionais, bem diversamente de seus contemporâneos russos. Aos vinte e quatro anos, já era muito conhecido por toda a Rússia como compositor, regente e pianista. Presenciara, então, uma execução desastrosa de sua Primeira Sinfonia, sob a direção de Glazunov, aparentemente bêbado, seguida do fracasso de seu Concerto para piano nº 1.

 

Atingido por uma crise psicótica, desistira de compor temporariamente, permanecendo em profunda depressão. Somente depois de prolongado tratamento de hipnose com o Dr. Nicolai Dahl, Rachmaninov pôs-se outra vez a compor. Seu Concerto para piano nº 2, executado em 1901, devolveu-lhe todo o êxito e popularidade merecidos.

 

Em 1909, compôs o Concerto para piano nº 3, especialmente para sua primeira turnê nos Estados Unidos, país no qual veio a se estabelecer a partir de 1918. Deixando a tranquilidade de uma confortável datcha nos arredores de Moscou, na qual escrevera a obra, Rachmaninov teve somente nove dias para ensaiar a dificílima parte solista, num teclado mudo, durante a travessia do Atlântico. A obra foi estreada em 1909 pela Orquestra Sinfônica de Nova York, regida por Damrosch, e reapresentada em 1910 pela Filarmônica de Nova York sob a regência de Gustav Mahler. O compositor foi o solista nas duas ocasiões e, após trinta anos, gravou a obra com a Orquestra da Filadélfia, sob a batuta de Eugene Ormandy. Com andamento mais acelerado, alguns cortes e uma cadenza mais curta e scherzante para o primeiro movimento, o compositor, em sua gravação, tentou destituir sua composição dos rótulos de obra “cavalar” ou “concerto elefante”, segundo Arthur Rubinstein, que se referia à grande extensão e às enormes dificuldades técnicas do concerto.

 

Comparado ao escalar do Himalaia, este concerto é uma empreitada reservada somente aos grandes pianistas que aprenderam a manejar o instrumento com absoluta economia e destreza. Caso contrário, o solista seria engolido por densos acordes e incontáveis arpejos até um esgotamento físico e mental, como exposto no filme Shine, no qual o pianista David Helfgott desmaia após digladiar-se com a obra. O filme, ganhador de Oscar, contribuiu ainda mais para a fama de concerto inatingível e humanamente desgastante.

 

Acredita-se que Rachmaninov tocava grandes acordes com facilidade por sofrer da síndrome de Marfan, doença dos dedos de aranha, visto que sua extensão de mão alcançava trinta centímetros. Curiosamente, seu Concerto nº 3 foi dedicado ao pianista Josef Hofmann, de estatura mediana e mãos pequenas. Musicalmente, o Concerto nº 3 demostra que seu estilo se tornara cada vez mais arrojado e livre no uso dos recursos musicais, mas que o caráter emotivo e nostálgico se mantinha invariável. Rachmaninov, em seus quatro concertos para piano, se empenha em atingir uma severa unidade em seus temas, que nos prendem pela intensidade expressiva, assim como em combinar antigas tradições e novos ideais em seu pianismo exuberante, autêntico e de bom gosto.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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