Sinfonia nº 2 em mi menor, op. 27

Sergei RACHMANINOV

(1906/1907)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 3 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

No verão de 1906, sobrecarregado com inúmeros compromissos e brigas políticas, Rachmaninov pediu demissão do cargo de regente titular do Teatro Bolshoi e transferiu-se, com a família, para a Alemanha. Em Dresden, longe da agitação musical de Moscou e dos tumultos políticos que começavam a assolar a Rússia, ele viveu momentos de paz e intensa felicidade e pôde se dedicar com mais atenção à composição. Em outubro começava a compor sua Segunda Sinfonia, que seria finalizada em abril do ano seguinte. Dedicada a Sergei Taneyev, sua estreia se deu em 8 de fevereiro de 1908, em São Petersburgo, sob a direção do compositor.

 

A Sinfonia nº 2 inicia-se com uma longa introdução, lenta e melancólica (Largo). Logo após um curto solo do corne inglês, tem início o Allegro moderato. Os violinos introduzem o primeiro tema, ao que toda a orquestra responde. Após uma transição agitada (Poco a poco più vivo), o clarinete executa o segundo tema (Moderato), imediatamente retomado pelos violinos e, em seguida, pelos violoncelos. A música vai, pouco a pouco, se acalmando até alcançarmos a seção central (Tempo I – Allegro moderato), introduzida por um violino solo com acompanhamento de duas trompas, sendo que a primeira executa notas em bouché (os sons ligeiramente metálicos chamados bouchés se obtêm fechando a campana com a mão direita). Esta seção nos levará ao clímax do movimento quando, logo após, ouviremos a reexposição do primeiro tema, relativamente transformado. Uma transição nos conduz à reexposição do segundo tema (Moderato, come prima) e uma inesperada seção agitada (Più mosso) fecha o movimento.

 

O segundo movimento é extremamente alegre, possui três temas e a forma de um Rondó: A-B-A-C-A-B-A. Sendo A, B e C diferentes temas, temos uma forma onde B e C são intercalados por aparições de A. O tema A (Allegro molto) aparece logo no início do movimento, apresentado pelas trompas, enquanto os violinos tocam uma passagem rítmica alegre e marcante. Logo depois temos o tema B (Moderato), calmo, lírico e belíssimo, executado pelos violinos. Uma agitação nos conduz, novamente, ao tema A (Tempo I). O tema C (Meno mosso) é ouvido em seguida, consistindo de um fragmento temático frenético dos segundos violinos que, pouco a pouco, contagia os primeiros violinos, as violas e toda a orquestra. A partir do clímax deste movimento, um acelerando em toda a orquestra nos conduz ao Tempo I. Assim, temos uma reexposição de A, seguida da reexposição de B (Moderato) e, novamente, de A (Tempo I) para atingirmos o final onde ouvimos, nos metais, um breve e enigmático coral.

 

O terceiro movimento (Adagio) é pleno daquele lirismo tão típico de Rachmaninov, com melodias belíssimas e encantadoras. O primeiro tema, amplo e lírico, é ouvido apenas uma vez nos violinos. A sensação de que este tema tão belo poderia ter sido mais longo persistirá até o final do movimento, quando Rachmaninov finalmente o desenvolverá, expandindo-o por toda a orquestra. O clarinete executa uma doce cantilena (segundo tema) e ouvimos, novamente, o primeiro tema nos violinos. Uma seção central anunciada pelo corne inglês e oboé nos leva ao primeiro clímax do movimento, quando ouvimos o motivo inicial do primeiro tema, nos violinos. O tumulto se dissipa e a trompa reexpõe o motivo inicial do primeiro tema, respondida primeiramente por um violino solo, depois pelo corne inglês, flauta e oboé, até que o clarinete reexpõe o tema na sua totalidade. Os violinos executam o segundo tema, ao mesmo tempo em que ouvimos fragmentos do primeiro tema em toda a orquestra. Um fortissimo, com toda a orquestra tocando o motivo inicial do primeiro tema, nos leva ao segundo clímax e aos momentos finais, onde ainda ouviremos reminiscências dos temas principais.

 

O quarto movimento (Allegro vivace) incorpora ideias dos movimentos iniciais, na mais pura tradição russa. A primeira seção inicia-se com o primeiro tema, cheio de vitalidade, em uma erupção de sons em toda a orquestra. Após sua repetição modificada temos uma nota longa na trompa, em bouché, que anuncia o segundo tema – uma marcha com fragmentos nas madeiras respondidos pelos violoncelos e contrabaixos. O final da marcha nos conduz a uma reapresentação do primeiro tema e desemboca, inesperadamente, na seção central, onde ouvimos o terceiro tema, um tema lírico executado nos violinos enquanto, ao fundo, a orquestra permanece agitada. Pouco a pouco a música se acalma e temos uma breve aparição do primeiro tema do terceiro movimento (Adagio). A música torna-se misteriosa, a orquestra expõe fragmentos do primeiro tema e nos conduz ao clímax do movimento quando, logo após, temos a reexposição da primeira seção (primeiro tema, segundo tema e primeiro tema novamente). Estamos caminhando para o fim e a aparição de fragmentos dos três temas nos conduz a um final majestoso e imponente.

 

Ao longo de sua vida, Rachmaninov soube construir uma carreira de sucesso como compositor, concertista e regente comparável à de Liszt no século anterior. Ele jamais amou a música moderna, o que não o impediu de ser moderno à sua maneira. Ele acreditava que a música não deveria seguir os modismos da época, mas apenas expressar a personalidade do compositor. Só assim ela seria eterna. Para ele, a originalidade não derivava das características técnicas da obra, mas da substância íntima da personalidade de seu criador. A Sinfonia nº 2 foi, talvez, sua obra mais pessoal.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, professor da Escola de Música da UEMG e da Fundação de Educação Artística.

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