Sinfonia nº 2 em Ré maior, op. 36

Ludwig van BEETHOVEN

(1801/1802)

 

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

Johann van Beethoven, tenor do coro em Bonn, instruiu seu filho Ludwig ao piano desde cedo e o fazia estudar intensamente. Tirou-o da escola com onze anos e encarregou o músico C. G. Neefe de lhe dar aulas de contraponto e composição. Aos quatorze anos, o jovem era organista da corte e tocava viola na orquestra. Entusiasmado, Neefe escreve em um artigo: “Ludwig van Beethoven, com onze anos, é um talento promissor. Toca piano com grande domínio, lê muito bem à primeira vista e toca sobretudo O Cravo Bem Temperado de Bach. Ele certamente se tornará um segundo Mozart se continuar a progredir como começou”.

 

Em 1787, Ludwig vai a Viena estudar com Mozart, mas a morte da mãe chama-o de volta. Há dúvidas sobre o que se passou nessa viagem de três semanas. Homem atento às ideias do seu tempo, Neefe influenciou Beethoven, com dezenove anos, a fazer um curso na Universidade de Bonn. Tomando contato com as ideias do Iluminismo, com as obras de Rousseau, os Enciclopedistas, Schiller e Goethe, pôde fortalecer o sentido de liberdade que sempre o acompanharia. E a casa da família von Breuning, onde se discutia arte, política e vida, foi o primeiro ambiente onde viu circular o pensamento intelectual. O Conde de Waldstein, mecenas e amigo, favorece a Beethoven outra viagem a Viena, em 1792, para onde vai estudar com Haydn, um aprendizado que nunca se realizou de forma ordenada, devido talvez à diferença de temperamentos. E foram Albtrechtsberger e Schenk, mestres no contraponto, que desenvolveram o jovem Beethoven nessa técnica. Referindo-se mais tarde a si próprio como “aluno de Salieri”, mostra o apreço que tinha por esse mestre, com quem teve aulas gratuitas entre 1794 e 1800.

 

Às famílias aristocráticas de Viena, Beethoven impôs-se como pianista e também pelo seu fantástico dom de improvisação. Após alguns anos, tinha feito um nome por si mesmo. Era um artista independente, de acordo com o novo papel social do músico. Diferentemente de Mozart, que comera na cozinha com os lacaios, e Haydn, que usava uniforme de serviçal em Esterhazy, Beethoven não precisava da mesada de um nobre para viver. Com aulas dadas, concertos públicos e venda das suas obras, podia apresentar sua música onde bem entendesse. Mais tarde, os príncipes Lobkovitz, Kinsky e o Arquiduque Rodolfo, diante da possibilidade de sua partida de Viena para Kassel como Mestre de Capela, ofereceram-lhe uma contribuição financeira por vários anos.

 

A Sinfonia nº 2, em Ré maior, escrita em 1802, teve sua primeira apresentação em abril de 1803, no Teatro An der Wien, em Viena, regida pelo autor. O primeiro movimento, o Adagio que precede o Allegro con brio, nos faz pensar na Sinfonia Praga de Mozart, na mesma tonalidade, e que se inicia também com um Adagio seguido de um Allegro. Sobre o Larghetto, um dos movimentos lentos mais longos de Beethoven, Thayer, em sua biografia sobre Beethoven, nos diz que “sua serena tranquilidade parece ser precursora da Sinfonia Pastoral”. No terceiro movimento, pela primeira vez aparece um Scherzo no lugar do tradicional minueto. Rápido e enérgico, o Allegro molto mostra vários retornos ao tema, caraterísticos da forma Rondó.

 

Em 1802, com problemas de surdez havia já seis anos, Beethoven é aconselhado por seu médico a ficar algum tempo em um lugarejo perto de Viena, no intuito de poupar sua audição. Ali foi escrito um dos textos mais pungentes da História do Homem: o Testamento de Heilingenstad, dirigido aos seus dois irmãos: “Como posso admitir uma enfermidade no sentido que deveria ser mais perfeito em mim do que nos outros e que eu, antes, possuía no mais alto grau de perfeição? Cedo tive de me isolar e passar minha vida em solidão”. A decepção amorosa com Giulietta Guicciardi pode ter contribuído para seu estado depressivo.

 

Entretanto, escreve o eminente regente Felix Weingartner em seu livro On the Performance of Beethoven´s Symphonies: “A Sinfonia nº 2, composta em 1802, é simples, com colorido orquestral brilhante e vívido. Alegria jovial, fervor cheio de vida e força inquebrantável parecem ser as bases da sua essência”. Estamos então diante de um paradoxo? Um momento de desespero e uma obra cheia de vida? Deixemos a Beethoven a resposta: “que humilhação não ouvir uma flauta de longe (…) Mais uma experiência como essa e eu teria posto fim à minha vida. Foi minha Arte, e somente ela, quem me reteve (…) Ah, parecia-me impossível deixar o mundo até que pudesse produzir tudo o que está dentro de mim”.

 

Ter composto nesse momento a Sinfonia nº 2 parece-nos representar a elaboração de uma dolorosa reflexão e o renascer da “força inquebrantável” que o levaria a mais vinte e sete anos de vida.

 

Não surpreende que em 1803, aos trinta e dois anos, tendo na bagagem menos de um terço da sua obra – as Sonatas ao Luar e Patética, o Concerto para piano nº 3, o Concerto para violino (para citar as mais conhecidas hoje em dia) e as Sinfonias nos 1 e 2, entre outras obras – Beethoven já fosse considerado o maior músico da Europa.

 

Norah de Almeida
Pianista, professora formada pelo Conservatório de Música de Genebra.

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