Romeu e Julieta, op. 64

Sergei PROKOFIEV

(1935/1936)

 

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, saxofone tenor, 2 fagotes, contrafagote, 6 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 1 harpa, celesta, piano, cordas.

 

Os primeiros balés de Prokofiev, escritos entre 1914 e 1927, foram encomendados por Serguei Diaghilev e notabilizaram-se pela aspereza harmônica e complexidade rítmica. Em 1927, o compositor (que havia dez anos vivia entre a França, os Estados Unidos e a Alemanha) começou a reatar contatos com a União Soviética; seu estilo, então, visando o grande público, foi polido por um retorno mais definido em direção à tonalidade e à clareza formal. Os agentes culturais soviéticos, porém, ainda o viam com desconfiança. Em 1948, proibido de deixar o país, foi obrigado a se colocar publicamente à disposição do regime. Prokofiev morreu a 5 de março de 1953, coincidentemente o mesmo dia da morte de Stalin.

 

Para o primeiro grande balé de sua fase soviética o compositor escolheu Romeu e Julieta, a peça mais popular de Shakespeare, autor muito cultuado na Rússia. A partitura de Prokofiev mantém-se fiel à peça em versos, de um lirismo inigualável, ecoando seus vários aspectos – da complexidade psicológica dos personagens ao realismo das cenas teatrais. A música acompanha notavelmente a transformação de Julieta, de alegre e despreocupada adolescente para uma mulher apaixonada; também descreve com brilho o requinte da cena do baile ou a violência das lutas entre os Montéquio e os Capuleto. Por suas grandes dimensões, Romeu e Julieta foi denominada ópera-balé pelo próprio compositor. O uso de leitmotiv, com reprises e transformações, caracteriza os principais personagens.

 

Para cada um dos quatro atos, Prokofiev procurou um colorido especial, a partir de um núcleo central. Assim, o Primeiro Ato (apesar de começar ao ar livre, com a apresentação das famílias rivais e a chegada do Duque a cavalo) é dominado pela cena do baile no palácio dos Capuleto. Romeu fantasiado encontra Julieta pela primeira vez, e os dois se apaixonam. A tradição secular e a suntuosidade das danças palacianas – o Minueto de entrada, a Dança dos Cavaleiros com seu ritmo pontuado e a Gavota de despedida – parecem opressivas à juventude dos namorados. Esses só estão a sós nos três números finais: a célebre e lírica Cena do balcão, a Variação do tema de Romeu e a Dança do amor.

 

O Segundo Ato, ao contrário, tem como fundo uma festa popular de melodias fluentes e muita alegria. Termina, porém em clima de tragédia, com as mortes de Mercúcio e Teobaldo. Essa última, causa do exílio de Romeu, é selada com famosos quinze golpes orquestrais, número que Prokofiev, para desespero dos coreógrafos, se recusou a diminuir. O quadro termina com uma rude Marcha Fúnebre.

 

A orquestração torna-se mais camerística para o Terceiro Ato, que se alterna na intimidade do quarto de Julieta ou na cela de Frei Lourenço. Após a despedida de Romeu, o bondoso frade concebe o malfadado plano para reunir o casal. O ponto culminante mostra Julieta sozinha, temerosa de tomar a poção que decidirá seu destino – quatro acordes misteriosos antecedem obstinado desenho ascendente de quatro notas angustiantes.

 

O Quarto Ato resume-se a dois números – o funeral de Julieta adormecida e a morte do par de amantes desditosos. Neste verdadeiro epílogo, breve e intenso como a vida dos protagonistas, a música torna-se quase imaterial.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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