Manfredo: Abertura, op. 115

Robert SCHUMANN

Quando Byron publicou Manfredo (1817), a literatura romântica alemã já produzira algumas de suas obras decisivas. Assim como os Bandoleiros (1781) de Schiller, o Werther (1774) e o Fausto (1806) de Goethe, o herói byroniano, expressão de um romantismo sinistramente misterioso, marcou profundamente sua época. O pai de Schumann, editor e tradutor, introduziu na Alemanha os romances de Walter Scott e a poesia de Byron. Leitor incansável, o futuro compositor descobriu assim os versos do poeta inglês, permeados de angústia e emoções intensas.

 

Schumann só se dedicou à orquestra na maturidade, depois de compor um conjunto genial de peças para piano e Lieder de intenso sentimento poético. Sua música sinfônica, embora pouco divulgada, é bastante inovadora e pessoal, pois o compositor não se conformou aos modelos tradicionais e nem aderiu à proposta dos poemas sinfônicos apresentada por seus contemporâneos Berlioz e Liszt.

 

Quanto à ópera, o sonho de Schumann de consolidar um grande ciclo alemão desfez-se diante da indiferença do público por Genoveva (1848). Ao abordar Manfredo, o compositor procurou uma forma alternativa ao gênero operístico, pois o poema de Byron, embora dialogado, não se destinava à representação teatral. Liberto das perigosas exigências cênicas, procurou acentos mais espontâneos e poderosos na união da orquestra com as vozes, dispondo o poema em quinze Cenas dramáticas.

 

A afinidade do músico com Byron já se revelara em quatro Lieder exemplares – um canto hebraico do ciclo Myrten, op. 25 e os Drei Gesänge, op. 95. No caso de Manfredo, ele realizou um magnífico estudo de caráter que, por sua identificação com o personagem retratado, transfigura-se em dolorosa e comovente confissão. A Música de Cena foi terminada em 1848 e a Abertura, em 1851. Nesse período, o compositor começou a sentir a progressiva alteração de sua saúde – a vergonha e as obscuras ameaças associadas à loucura que, em 1854, o levariam a se jogar no Reno (como Manfredo no abismo). Conduzido ao asilo de Endernich, Schumann morreu dois anos depois.

 

Sobre a história do amor incestuoso de Manfredo (causa da morte de sua irmã Astarte) Byron tece, em versos vigorosos, reflexões ambíguas sobre os sofrimentos amorosos, a angústia da culpa imperdoável e o destino inexorável. O herói, buscando ao mesmo tempo evocar e esquecer sua amada, recorre à magia, busca a paz na Natureza, invoca as ninfas dos Alpes e os espíritos que regem o Universo. Mas nada consegue apaziguar seu tormento e Manfredo tenta jogar-se de alta montanha, fatalmente atraído pelo abismo. Infeliz, desafia os espíritos infernais e recusa orgulhosamente o socorro do piedoso Abade que lhe propõe o arrependimento. Astarte reaparece, então, para lhe anunciar a morte inevitável.

 

Na Abertura, escrita em forma sonata rigorosamente organizada, os temas facilmente se diferenciam por seus elementos melódicos. O cromatismo exasperado, a inquietação dos ritmos sincopados, as bruscas mudanças dinâmicas disfarçam a rigidez formal, e a orquestração densa reflete a atmosfera angustiada do poema.

 

A Abertura foi apresentada pelo compositor, a 14 de março de 1852, em Leipzig. A estreia da obra integral aconteceu em junho do mesmo ano, em Weimar, sob a direção de Liszt.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, Professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado: Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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