Sensemayá

Silvestre REVUELTAS

(1938)

Silvestre Revueltas é hoje considerado, com Carlos Chávez (1899-1978), um dos mais importantes compositores mexicanos do século XX. Porém, nem sempre foi assim. Sua música, praticamente esquecida após sua morte, começou a ser recuperada apenas nos últimos vinte anos, quando seu talento passou a ser amplamente reconhecido. Estudou música desde criança e, aos treze anos, ingressou no Conservatório Nacional de Música, na Cidade do México, onde cursou violino e composição. Aos dezesseis anos, transferindo-se com o irmão, o pintor Fermín Revueltas, para Austin, no Texas, estudou no St.Edward’s College e em seguida cursou o Chicago Musical College, onde, em 1919, diplomou-se em violino, harmonia e composição.

De volta ao México, só veio a conhecer o compositor Carlos Chávez em 1924. Com ele planejou inúmeras ações para reestruturar as condições musicais de seu país. Chávez fora nomeado diretor do Conservatório Nacional de Música e regente da recém-criada Orquestra Sinfônica Mexicana; a seu convite, Revueltas passou a lecionar violino no Conservatório e se tornou assistente de Chávez na Orquestra.

Revueltas começou a compor seriamente a partir de 1929. Sua obra abarca os seus últimos dez anos de vida, de 1930 a 1940. No entanto, esses últimos dez anos foram extremamente prolíficos. Numa explosão frenética de criatividade escreveu mais de trinta peças, incluindo música de concerto, música de filme e peças de câmara. Revueltas e Chávez tinham visões divergentes quanto à verdadeira musicalidade mexicana. Chávez tentava recriar uma espécie de passado mexicano idealizado, ao compor uma música que, embora tivesse seus ritmos e melodias derivados do folclore, buscava sua estrutura no classicismo europeu. Revueltas, ao contrário, ia fundo na essência da música mexicana, respeitando suas imperfeições, sua espontaneidade e suas contradições. A Revueltas interessava a musicalidade tradicional do homem comum, não a música culta europeizada. Em 1935, a amizade entre eles chegou ao fim; Revueltas pediu demissão da Orquestra e do Conservatório.
Os últimos quatro anos de sua vida foram uma viagem ao inferno. Sem emprego, afundou-se no alcoolismo e passou a viver nos bairros mais pobres da capital. Oscilava constantemente entre períodos de euforia criativa e momentos de profunda depressão. Suas composições tornaram-se mais intensas e tristes que anteriormente. Morreu de pneumonia, complicada pelo alcoolismo e pela miséria, aos quarenta anos de idade.

O poema sinfônico Sensemayá faz parte dessa última fase da vida de Revueltas. Em maio de 1937 ele compôs a primeira versão da obra, para grupo de câmara, e em 1938 finalizava a versão para orquestra. A obra é intimamente inspirada no poema Sensemayá, canto para matar una culebra (Sensemayá, canto para matar uma cobra), do poeta cubano Nicolás Guillén (1902-1989). Com o acúmulo progressivo de material temático e um ritmo cada vez mais obsessivo, Revueltas recria fielmente o caráter hipnótico do poema. Segundo o compositor, “Há em mim uma compreensão muito peculiar da natureza: tudo é ritmo. Meus ritmos são crescentes, dinâmicos, táteis e visuais. Eu penso em imagens melódicas que se movem dinamicamente”. Sensemayá é uma obra vigorosa, forte como a evocação de um ritual primitivo, extraordinariamente seca e sem rodeios.

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da UEMG e da FEA, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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