Anton Webern
Instrumentação: 2 piccolos, 4 flautas, 2 oboés, 2 cornes ingleses, 3 clarinetes, 3 clarones, 2 fagotes, contrafagote, 6 trompas, 6 trompetes, 6 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, celesta, cordas.
Filho de uma aristocrática família austríaca, Webern estudou piano, violoncelo e, ainda adolescente, começou a compor. Na Universidade de Viena cursou Filosofia e História da Música. Deixando-se fascinar pela complexa polifonia dos compositores medievais e pelo contraponto franco-flamengo, Webern já vislumbrava a criação de uma nova linguagem musical com base nesse passado remoto e pré-tonal. Aos vinte e um anos tornou-se, como Alban Berg, aluno de Arnold Schoenberg, acompanhando a trajetória do mestre rumo ao atonalismo. Embora cada um dos discípulos mantivesse a independência artística, os três compositores cultivaram estreita coesão estética, além de uma amizade inquebrantável. Em 1908, Webern publicou a Passacaglia, op. 1, considerada o marco inicial de sua carreira. Durante toda a vida foi o mais desconhecido dos três integrantes da chamada segunda Escola de Viena – não possuía o zelo combativo ou o talento didático de Schoenberg e nenhuma de suas obras tornou-se popular como o Wozzeck de Alban Berg. Entretanto, na obscuridade quase total, elaborou uma obra que, após sua morte e o término da Segunda Guerra, afetaria profundamente a estética e o pensamento dos compositores modernos.
A linguagem de Webern desconsidera absolutamente o tonalismo, não o pressupondo nem como referência negativa. A mudança é radical – são necessários novos critérios de execução e de audição. Sua obra completa finaliza no op. 31 e pode ser ouvida em apenas três horas, pois a peça mais longa dura, aproximadamente, dez minutos. A dinâmica predominante é o pianissimo e indicações como terníssimo e mal se ouvindo são frequentes, às vezes sobre notas isoladas. O silêncio e o som possuem paridade no discurso sonoro e são tratados como um universo único, orgânico e completo em si mesmo. Cada som, entretanto, se relaciona com os outros enquanto ocupa um lugar determinado na peça.
Para as Seis peças orquestrais, op. 6 a grande orquestra é requisitada pela única vez em toda a obra de Webern, e os tutti são raros e apenas momentâneos. A transparência e a delicadeza da orquestração criam um universo sonoro de densidade rarefeita e colorido fascinante. A instrumentação explora a diferenciação dos registros, visando o alargamento do espaço sonoro. Cada peça é particularizada por uma formação orquestral inusitada, de maneira que a combinação tímbrica lhe confira um determinado caráter expressivo. Uma das grandes novidades da obra está na sistematização técnica da “melodia de timbres”. Na primeira peça, por exemplo, nos dois compassos iniciais, a linha melódica divide-se entre a flauta, o trompete (com surdina), a celesta e a trompa. A segunda peça contrasta notas repetidas (nas cordas ou nos trinados dos trombones) com os esboços melódicos dos outros instrumentos. A terceira organiza-se a partir do intervalo de semitom; é muito curta (onze compassos) e muito leve (nunca ultrapassa a intensidade piano). Na quarta peça, Webern apresenta o ritmo do Kondukt, espécie de marcha fúnebre popular austríaca. A linha melódica distribui-se entre os instrumentos, crescendo do pianissimo ao fortissimo, sobre uma marcação pendular de golpes surdos e graves, até o ponto culminante de toda a obra. As duas peças finais reinstalam o apaziguamento expressivo, em direção à completa rarefação sonora.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, Professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado: Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.