Sheherazade

Nikolai RIMSKY-KORSAKOV

(1888)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

Nos anos 1860/70 Rimsky-Korsakov fez parte do Grupo dos Cinco, formado por jovens compositores que se reuniam frequentemente em casa de Mily Balakirev, para estudar música. Eram eles: Alexander Borodin, César Cui, Modest Mussorgsky e o próprio Rimsky-Korsakov. Após sua dissolução, um novo grupo pouco a pouco se formou em torno do rico comerciante e mecenas Mitrofan Belyayev o qual, a partir dos anos 1880, recebia nas noites de quarta-feira alguns dos maiores artistas de São Petersburgo. O grupo, conhecido como Círculo Belyayev, tinha Rimsky-Korsakov como seu líder musical. Belyayev, que publicava e divulgava as obras dos compositores com seu próprio dinheiro, sem se preocupar com o retorno financeiro, criou em 1886 a série Concertos Sinfônicos Russos, destinada a permitir que os jovens compositores russos tivessem suas obras sinfônicas executadas. Para essa série Rimsky-Korsakov compôs algumas de suas obras mais conhecidas: o Capricho espanhol (1887), Sheherazade (1888) e A grande páscoa russa (1888).

Sheherazade é a protagonista das Mil e uma noites, coletânea de contos populares medievais da Ásia ocidental e meridional, originalmente escritos em árabe. Desde que foram traduzidos para o francês, pela primeira vez, no início do século XVIII, esses contos passaram a ser considerados na Europa como a representação máxima do fantástico mundo da fábula oriental. Algumas são populares ainda hoje, como Simbad, o marujo, Aladim e a lâmpada maravilhosa e Ali-Babá e os quarenta ladrões. As fábulas são ligadas, entre si, por meio de um conto base: o sultão, traído por sua primeira esposa, manda executá-la e decide casar-se com uma jovem virgem a cada noite, fazendo executá-la no dia seguinte para se prevenir de uma futura infidelidade. Sheherazade, filha mais velha do vizir, decide casar-se com o sultão. Na noite de núpcias, conta-lhe uma estória cujo final é deixado para a noite seguinte, a fim de que o sultão tivesse que adiar a sua execução para saber o desfecho. Na noite seguinte, tão logo ela termina a estória, começa imediatamente outra, sem terminá-la. E assim, sucessivamente, Sheherazade prende o sultão por mil e uma noites até que, como prova de afeição, ele perdoa-lhe a sentença, e ela lhe apresenta os três filhos que, nesse período, dera à luz.

Para dar vida às incríveis fábulas das Mil e uma noites, e ao mesmo tempo preservar o colorido russo, Rimsky-Korsakov explorou ao máximo os timbres da orquestra. Ao evitar a mera combinação de folclore com música erudita, ele se livrava de dois possíveis erros: o de degenerar a obra em amadorismo, ao amarrá-la à entonação folclórica; e o de sacrificar a própria entonação folclórica para adequá-la às demandas artísticas. A decisão que tomou foi de capturar a substância folclórica – melódica e rítmica – e preservá-la em sua essência, sem adequá-la a parâmetros composicionais eruditos, tais como harmonia, contraponto e forma. A matéria bruta restaria praticamente intocada, e a ênfase seria dada ao colorido orquestral.

Nas palavras do compositor, a suíte sinfônica Sheherazade foi inspirada “em imagens singulares e episódios separados das Mil e uma noites, espalhados pelos quatro movimentos da suíte. Como ligação entre esses quadros criei os breves trechos para violino solo, que são atribuídos à sultana Sheherazade”. Sua estreia se deu em 3 de novembro de 1888, na série Concertos Sinfônicos Russos, em São Petersburgo, sob a regência do compositor.

Guilherme Nascimento, Doutor em Composição, professor da Escola de Música da UEMG e da FEA, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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