Dmitri SHOSTAKOVICH
O subtítulo da 11ª Sinfonia de Shostakovich, “o ano 1905”, refere-se à Revolução Russa de 1905, mais precisamente ao massacre de centenas de inocentes em frente ao Palácio de Inverno do Czar, conhecido como Domingo Sangrento. Em São Petersburgo, no domingo 9 de janeiro (22 de janeiro no calendário gregoriano), o Padre Georgi Gapon liderou uma procissão pacífica de milhares de trabalhadores grevistas e suas famílias, pedindo por melhores salários e condições de trabalho mais humanas. A procissão dirigiu-se para o Palácio de Inverno carregando fotos do Czar, cantando hinos e canções patrióticas. O corpo de guarda que protegia o Palácio abriu fogo contra a multidão. Centenas foram mortos a tiros ou pisoteados quando o pânico se instaurou. O Czar Nicolau II não estava no Palácio e, mais tarde, ao saber das notícias, expressou sua profunda tristeza com o acontecimento.
Em 1956 Shostakovich recebeu a encomenda do governo soviético para compor uma obra sinfônica em comemoração aos quarenta anos da Revolução Russa de 1917. Não desejando escrever uma obra que exaltasse o sistema soviético, Shostakovich escolheu ilustrar o episódio do Domingo Sangrento de 1905. Embora o alto escalão do Politburo tenha aceitado o argumento de que, ao se falar do massacre dos inocentes pelas tropas do Czar, falava-se indiretamente da Revolução de 1917, Shostakovich, no fundo, compunha um canto fúnebre para toda e qualquer repressão popular, não apenas a de 1905, mas, principalmente, a que existia na Rússia desde 1917. A Sinfonia nº 11 foi composta no início de 1957. Sua estreia se deu no dia 30 de outubro do mesmo ano, na Grande Sala do Conservatório de Moscou, pela Orquestra Sinfônica da URSS, sob a regência de Natan Rakhlin.
A sinfonia possui quatro movimentos que devem ser executados sem intervalos. O primeiro (Adagio), A Praça do Palácio, evoca a manhã fria do domingo, em frente ao Palácio de Inverno, através de melodias suaves nas cordas e intervenções distantes dos tímpanos. A atmosfera de tranquilidade que caracteriza todo o primeiro movimento é, nas palavras de Shostakovich, uma espécie de introdução para o movimento seguinte. O segundo (Allegro) intitula-se O Nove de Janeiro e descreve os acontecimentos ocorridos no Domingo Sangrento. O movimento é dividido em três seções. A primeira seção é tumultuada e busca representar o povo dirigindo-se ao Palácio de Inverno. Possui um primeiro crescendo, que seria o caminhar heroico da multidão, e um segundo crescendo que procura descrever o avançar das tropas. A intervenção do flautim e das flautas faz a transição para a segunda seção. Nesta seção, o rulo de caixa-clara dá início a uma marcha que evoca o pânico da multidão. No ápice da tensão inicia-se uma nova marcha que nos leva ao clímax do movimento, com solos de caixa-clara, bumbo, tímpanos e tam-tam. A percussão para de tocar repentinamente e entramos na última seção, de sonoridade mais calma, que nos lembra o primeiro movimento, mas onde se imagina a atmosfera após o massacre. O terceiro movimento (Adagio), Memória eterna, baseia-se na marcha fúnebre e hino dos revolucionários: “Vocês caíram como vítimas”. O movimento inicia-se com um pizzicato nas cordas graves contra o qual ouvimos a melodia principal nas cordas agudas. Aos poucos temos toda a orquestra tocando citações dos movimentos precedentes. Ao fim, retornamos ao pizzicato do início. O quarto movimento (Allegro non troppo), O Dobrar do Sino de Alarme, começa com uma potente marcha onde figuram os metais e tímpanos de um lado e as cordas de outro. A orquestra atinge um clímax violento, reinicia a marcha para, em seguida, atingir novamente o clímax e, inesperadamente, retornar à atmosfera calma e tranquila do primeiro movimento. Após um momento de contemplação, a orquestra retoma o tumulto do último clímax e leva-o ao crescendo final, onde ouvimos o bater do sino de alarme.
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.