Sinfonia nº 12 em ré menor, op. 112, “O ano 1917”

Dmitri SHOSTAKOVICH

(1959/1961)

Instrumentação: Piccolo, 3 flautas, 3 oboés, 3 clarinetes, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Impossível falar sobre a décima segunda das quinze sinfonias de Shostakovich sem se remeter à alusão programática que seu subtítulo contém. Não se trata, porém, de uma obra que descreva exatamente a Revolução Russa, mas trata-se, isso sim, de uma grande e apologética homenagem a Lenin. A gênese da Sinfonia op. 112 remonta aos anos 1930, quando o então jovem compositor vivia a dualidade de criar uma música engajada, estimulada pelo regime soviético, ou adotar – mesmo sob a máscara dos ícones nacionais – a postura naturalmente subversiva de todo artista verdadeiro. Daí as críticas que sofreu, nessa época, por parte de instituições ligadas ao Partido Comunista, em relação a principalmente duas obras suas: O nariz, ópera satírica baseada no conto homônimo de Gogol, e Lady Macbeth, ópera que lhe valeu cair no desafeto do Partido.

 

Foi, portanto, em pleno regime stalinista que Shostakovich teve a ideia de compor uma obra em homenagem a Lenin. O projeto inicial, que nunca foi executado, era o de compor, para Lenin, uma cantata. Ao que parece, em 1940 essa intenção surge mais uma vez, mas é frustrada por causa da invasão alemã, em 1941. Laurel Fay menciona que, no verão de 1959, mais uma vez o compositor diz estar engajado em uma obra comemorativa de Lenin, mas que ainda não tem ideia da forma que ela iria ter: se oratório, cantata, sinfonia ou poema sinfônico. No ano seguinte a obra começa a tomar corpo, e a Sinfonia fica pronta em 1961. Sua estreia não poderia ser mais simbólica: deu-se em outubro do ano de sua conclusão, pela Orquestra Filarmônica de Leningrado, sob a regência do antológico Yevgeny Mravinsky. Não custa dizer que Mravinsky, que esteve à frente dessa grande orquestra de 1931 a 1988, foi responsável pela estreia de várias sinfonias de Shostakovich. A última dessas estreias foi justamente a da Sinfonia op. 112.

 

Embora na intenção e no caráter esta obra esteja diretamente relacionada à segunda sinfonia do compositor, na forma e na estrutura elas se afastam visivelmente. A segunda sinfonia é bastante tradicional. Na décima segunda, os quatro movimentos encadeiam-se uns nos outros, como que tecendo um longo poema sinfônico. Nesse sentido, aquela indefinição formal a que se referia o próprio compositor parece estar realmente presente, funcionando como um artifício para trazer a obra para a modernidade, desvinculando-a sutilmente dos padrões formais clássicos. Some-se a isso a inserção de veladas citações e evocações de canções revolucionárias bolchevistas, que, na obra, atuam como espécies de condutores de um enredo.

 

No entanto, na décima segunda sinfonia, a densidade dramática não se perde em folclorismos. Nela, Shostakovich tampouco sucumbe a um expressionismo ultrarromântico que por vezes se vê em obras suas. Guardadas as devidas proporções, não é exagerado dizer que a impressão que causa a Sinfonia op. 112 é a de se estar diante de uma obra herdeira da linguagem revolucionária de Stravinsky, elaborada, porém, por uma personalidade criadora forte, presente e original. Na verdade, trata-se de uma obra singular: não é à toa que Shostakovich foi considerado o maior compositor russo depois de Prokofiev.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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