Sinfonia nº 6 em si menor, op. 54

Dmitri SHOSTAKOVICH

(1939)

Instrumentação: 3 flautas, 3 oboés, 4 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpano, percussão, harpa, celesta, cordas.

 

A vasta obra do russo Dmitri Shostakovich foi composta em pleno stalinismo, regime com o qual estabeleceu relações dúbias — ao longo de sua carreira, duras advertências governamentais alternaram-se com honrarias e prêmios oficiais. A vocação política de sua música manifestou-se cedo. Neto de um revolucionário polonês exilado na Sibéria, Shostakovich teve as primeiras lições de piano com a mãe e, criança prodígio, aos doze anos, escreveu uma Marcha Fúnebre em memória de dois líderes democráticos assassinados por marinheiros bolcheviques.

 

Sua numerosa produção inclui três óperas, música de câmara, coros a capella e seis concertos, além de dois grandes ciclos: as quinze sinfonias e os quinze quartetos de corda. As sinfonias distribuem-se de forma bastante regular em sua carreira e foram suas peças “públicas”, às vezes revestidas de caráter oficial, dedicadas às grandes massas. Os quartetos, mais intimistas, concentram-se principalmente na fase criativa final e são mais experimentais.

 

Shostakovich estudou no Conservatório de Petersburgo, sob a direção de Alexander Glazunov. Como peça de graduação, o talentoso aluno apresentou sua Primeira Sinfonia, escrita aos dezenove anos de idade. Por essa época, dedicava-se igualmente ao piano e obteve uma menção honrosa na Primeira Competição Internacional Frédéric Chopin, na Polônia (1927). Com o sucesso da Primeira Sinfonia, regida por Bruno Walter em Berlim, Shostakovich abandonou a carreira de pianista e se concentrou na Composição, estudando as fugas de Bach, os quartetos de Beethoven, as sinfonias de Mahler. Dos compositores russos, destacava Mussorgsky (cuja ópera Boris Godunov reorquestrou) e Tchaikovsky (como criador de belas melodias e brilhante orquestrador). Entre os modernos, Shostakovich admirava particularmente Alban Berg e Bela Bartók. E tinha verdadeira adoração pela música de Stravinsky, embora desprezasse os hábitos cosmopolitas do ilustre compatriota.

 

No final da década de 1920, Shostakovich filiou-se à Associação para a Música Contemporânea e, paralelamente, começou a escrever trilhas sonoras para cinema e para o Teatro da Juventude Proletária, trabalho que, por seu apelo social, mantinha-se imune a qualquer “heresia estética” e era muito bem visto pelos censores oficiais. Entretanto, a personalidade inovadora do compositor afirmou-se cedo, desde as duas primeiras sinfonias e na ópera O nariz (1928), baseada na famosa novela de Nicolau Gogol. Os ataques da censura stalinista tornavam-se frequentes. Shostakovich, punido com a interrupção dos ensaios da Quarta Sinfonia (1936) e a interdição da ópera Lady Macbeth do distrito de Mzensk, foi forçado a se retratar publicamente. O músico penitenciou-se com a composição da Quinta Sinfonia (1937), obra de grande apelo popular cujo sucesso o reabilitou perante a censura. No mesmo ano, Shostakovich foi nomeado professor do Conservatório de Moscou.

 

A recepção da Sexta Sinfonia, escrita rapidamente no decorrer de 1939, ao contrário, foi apática. O próprio Shostakovich criou uma falsa expectativa para a obra, a princípio planejada como uma homenagem a Lenin, com solistas, coros e textos de Maiakovski. Quando a sinfonia estreou, em novembro de 1939, os ouvintes se surpreenderam com uma peça relativamente pequena, em três movimentos encadeados de forma não habitual – Largo, Allegro e Presto. O passar do tempo, entretanto, foi generoso com essa sinfonia que, cada vez mais, desperta o interesse por sua originalidade.

 

O Largo inicial possui o clima mórbido característico de muitos movimentos lentos do compositor. Ao naipe das madeiras são destinados solos de grande beleza melódica (que evidenciam a declarada influência de Tchaikovsky) e se alternam entre o piccolo, o corne inglês, a flauta e o oboé. Na segunda seção, a flauta tece maravilhosos arabescos. Ao final, antes da reexposição do primeiro tema, a trompa apresenta um recitativo melancólico, sobre o fundo de trinados e acordes solenes. No Allegro central, o caráter é de um scherzo. A escrita clara, fluida e bastante efetiva possui uma ironia mordaz, cruel, com suas síncopes e frequentes mudanças de ritmo. A orquestração, extremamente virtuosística, torna-se agressiva na aspereza dos timbres. O humor do Presto final contrasta inteiramente com o sarcasmo do movimento anterior. Há espaço para pequenas citações espirituosas, referenciando obras de Mozart, Rossini e Verdi. O episódio central privilegia o fagote, a flauta e o piccolo, antes que o violino desenvolva um longo trecho e retome o primeiro tema. O final evolui para um clima de festa e saudável alegria.

 

Ao longo de sua carreira, Shostakovich recebeu as mais altas condecorações governamentais e ocupou cargos de destaque. Em 1942, com a Sétima Sinfonia, inicia o ciclo heroico das grandes obras patrióticas, consagrando-se oficialmente como o sinfonista russo por excelência. Tal reconhecimento não impediu que, por ocasião da “jornada antiformalista” de 1948, o compositor tivesse, ao lado de muitos outros artistas, a maioria dos seus trabalhos condenados e banidos. Em suas memórias, publicadas postumamente, Shostakovich revela o drama de um homem submetido a fortes pressões oficiais – o dilema do artista inovador condicionado a um academismo inevitável.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, Professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado: Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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