Sinfonia nº 6 em si menor, op. 74, “Patética”

Piotr Ilitch TCHAIKOVSKY

(1893)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

A história da sexta e última sinfonia de Tchaikovsky é cercada de mistérios indecifráveis. Tchaikovsky terminou sua composição em agosto de 1893 e regeu sua estreia no dia 28 de outubro do mesmo ano, em São Petersburgo. Nove dias depois, morria de causas ainda não comprovadas.

 

A estreia foi um fracasso, aparentemente por se tratar de uma música muito intimista. Quando o assunto era sinfonia, o público esperava ouvir uma música que, embora pudesse conter alguns momentos tristes, deveria iniciar e terminar com temas grandiosos. A Sexta Sinfonia, para surpresa geral, inicia e termina de maneira triste e melancólica. Tchaikovsky não gostou da recepção da obra e resolveu refazer alguns trechos, além de acrescentar o título de “Patética”. E, contrariando a ordem sanitária vigente em São Petersburgo na época, bebeu um copo de água sem ferver, contraiu cólera e morreu nove dias depois, deixando o mundo todo surpreso. Desde então, começaram a surgir os mistérios em torno da Sinfonia e de sua morte.

 

Segundo seu irmão, Modest, Tchaikovsky bebera o copo de água fatal no dia seguinte à estreia, em sua casa; mas seu sobrinho, Iurii Davydov, irmão de Vladimir Davydov, para quem Tchaikovsky dedicara a Sinfonia, atestou que a água havia sido bebida no Restaurante Leiner, onde Tchaikovsky jantara com amigos e parentes logo após o concerto de estreia. No início do século XX, novas versões vieram à tona. A filha de Iurii, Xeniya Davydova, declarou que a história da água contaminada era pura ficção. Segundo ela, seu pai, perturbado com os crescentes rumores de que seu tio suicidara, inventara a versão de que estivera presente no restaurante para poder atestar uma história diferente. Vasily Bertenson, um dos médicos que atenderam Tchaikovsky em suas últimas horas, afirmou, no final da vida, que o compositor havia tomado veneno. Alexander Zander, filho do outro médico que atendera o compositor, admitiu que seu pai contara a ele uma história semelhante.

 

Ao que tudo indica, jamais saberemos se Tchaikovsky morreu de cólera, se fora envenenado ou se tomara veneno por conta própria. As inúmeras contradições dos membros da família, a respeito do copo de água contaminada, parecem atestar que a morte por cólera pode, de fato, ter sido uma invenção; e esses membros jamais apareceram com uma acusação de possível assassinato. Sobraria, assim, a versão do suicídio.

 

Tchaikovsky já havia tentado se matar uma vez, em 1877, logo após a catástrofe de um casamento infeliz. Para evitar que sua família caísse em desgraça pelo escândalo de um suicídio, ele procurou fazer de modo a parecer que fosse de causa natural. Assim, ele entrou no Rio Moscou e lá permaneceu a noite inteira, na esperança de pegar pneumonia e morrer. Agora, nos últimos anos de vida, Tchaikovsky talvez se sentisse pressionado mais uma vez. Segundo alguns estudiosos, ele suportava, com dificuldade, os rumores de que o amor por seu sobrinho, Vladimir Davydov, era mais do que paternal. Sua provável homossexualidade havia se tornado pública e sua vida social se tornava insustentável. Seria possível que, mais uma vez sobre enorme pressão, ele fizesse uma segunda tentativa?

 

E, então, temos a Sexta Sinfonia. De acordo com algumas cartas de Tchaikovsky, suas sinfonias eram como “confissões musicais”, capazes de “expressar tudo aquilo para o qual não existem palavras”, principalmente questões como Vida, Morte, Amor e Beleza. O que estaria o compositor, então, tentando nos dizer, nesta sua carta de adeus? Provavelmente, das suas desilusões amorosas e musicais, da sua impotência frente às dificuldades da vida… Possivelmente, da sua angústia com o vazio que se descortinava, um vazio causado pelo fato de que tudo que ele amava e acreditava fosse eterno, estivesse, talvez, se dissolvendo…

 

Guilherme Nascimento
Doutor em Composição, professor de Música da UEMG e da Fundação de Educação Artística, autor do livro Música menor.

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