Sinfonia em Dó

Igor STRAVINSKY

(1940)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.

 

A estreia do balé O pássaro de fogo na Ópera de Paris em 25 de junho de 1910 transformou o compositor russo Igor Stravinsky em celebridade aos 28 anos de idade. Ao prolongar sua estada no Ocidente, ele deixava para trás o círculo do falecido Rimsky-Korsakov e uma tradição em declínio para inserir-se no cerne de um meio sofisticado, onde era tratado como igual. Petrushka em 1911 e A Sagração da Primavera em 1913 – suas duas outras obras para a companhia Ballets Russes de Sergei Diaghilev – estabeleceram sua reputação.

 

Durante a Primeira Guerra o compositor refugia-se na Suíça, onde compõe Renard (1916), História do Soldado (1918) e dá início a As Bodas (1923). Em 1920 ele retorna à França com Pulcinella, no qual remodela obras de Pergolesi e outros autores com harmonias novas, deslocamentos métricos e orquestrações condimentadas. Em 1922 a ópera Mavra abre um neoclassicismo particular no qual decisões de estilo e linguagem tornam-se tão relevantes quanto decisões de forma e material – formalismos modernos a interrogar formas tradicionais. Seguem-se o Octeto (1923), a ópera Oedipus rex (1927), os bailados Apollon musagète (1928) e Le baiser de la fée (1928), o Capricho (1929), a Sinfonia dos Salmos (1930), o Concerto para violino (1931), o balé Perséphone (1934) e o Concerto em mi bemol (1938).

 

Os primeiros esboços do que viria a ser a Sinfonia em Dó foram anotados num caderno de hotel em Evanston, Illinois, em 3 de março de 1937, durante a terceira turnê do compositor pelos Estados Unidos. Ele os retoma durante o outono de 1938 no apartamento da rua do Faubourg Saint-Honoré, em Paris, quando sua vida doméstica começa a desintegrar-se: a filha Ludmila morre em 30 de novembro, seguida pela esposa Catarina em 2 de março de 1939, ambas vitimadas pela tuberculose. Stravinsky interna-se por cinco meses na clínica de Sancellemoz, Suíça, diante do Monte Branco, onde conclui os dois primeiros movimentos. Em 7 de junho de 1939 ele perde a mãe. Dos Alpes, escreve: “Minha casa, minha família está destruída – já nada tenho a fazer em Paris…” E deixa a clínica na véspera da declaração de guerra. Na Alemanha, passara a ser tido por etnicamente judeu e artisticamente degenerado; na França, a crítica já não lhe era favorável; e por toda a Europa, os concertos rareavam.

 

Três semanas mais tarde, após depositar seus manuscritos num banco, ele embarca no S. S. Manhattan para a quarta turnê norte-americana, que se inicia com um ciclo de palestras na Universidade de Harvard. Vera Sudeykina, sua amante desde 1921, chega em janeiro de 1940, e eles se casam em Boston para satisfazer os costumes locais. Em abril Stravinsky completa a Sinfonia em Dó, dedicada à Sinfônica de Chicago por ocasião de seu quinquagésimo aniversário, para estreá-la em 7 de novembro. O casal compra casa em West Hollywood, onde passa a residir em abril de 1941.

 

A Sinfonia em Dó parte da imagem da sinfonia clássica e paga tributo a suas formas e procedimentos, mas faz algo em essência diferente: dar prosseguimento aos métodos de Stravinsky num exercício de modelagem que toma uma ideia forte por ponto de partida de uma jornada criativa pessoal.

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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