Sinfonia nº 1 em ré menor, op. 13

Sergei RACHMANINOV

(1895 | Reconstruída por Glazunov em 1945)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Todo jovem artista necessita de uma ajuda sincera dos mais velhos no início de sua carreira, numa oportunidade que o fará conhecido, ou na simples forma de conselhos sobre como e quando dar os primeiros passos. Em 1892, aos dezenove anos de idade, Sergei Rachmaninov teve esse tipo de ajuda quando Tchaikovsky conseguiu que sua primeira ópera, Aleko, fosse apresentada no Teatro Imperial ao lado de uma de suas próprias óperas. Essa oportunidade foi o bastante para fazer seu nome conhecido e abrir-lhe as portas do sucesso. Rachmaninov graduou-se no Conservatório de Moscou naquele ano e tornou-se um artista livre. Aos poucos sua promissora carreira tinha início, e o resto veio-lhe com certa facilidade, como ele mesmo dizia, mas não sem alguns percalços.

 

Em janeiro de 1895, ele começou a composição daquela que seria conhecida como sua primeira sinfonia (os fragmentos de uma sinfonia composta anos antes foram compilados sob o título de Sinfonia de Juventude). A composição foi árdua. Trabalhando sete horas por dia na Sinfonia, dez horas por dia no último mês, a composição ficou pronta apenas no dia 2 de setembro. Baseada em cantos da Igreja Ortodoxa Russa, ela só seria ouvida em público, pela primeira vez, dezoito meses depois da composição.

 

O rico comerciante e mecenas Mitrofan Belyayev, que publicava e divulgava as obras de vários compositores russos com seu próprio dinheiro, aceitou programar a Primeira Sinfonia de Rachmaninov para a temporada de 1897 dos Concertos Sinfônicos Russos, uma série destinada a permitir que os jovens compositores tivessem suas obras sinfônicas executadas. A estreia, em São Petersburgo, no dia 28 de março de 1897, sob a regência de Aleksandr Glazunov, foi um desastre completo.

 

Segundo o compositor, Glazunov não compreendeu a linguagem da sinfonia, deu-lhe pouco tempo de ensaio e regeu a orquestra bêbado. Para completar o infortúnio, César Cui, um dos compositores do Grupo dos Cinco, escreveu uma crítica no jornal desqualificando completamente a obra e o compositor: “Se houvesse um conservatório no Inferno, e se um dos seus alunos talentosos tivesse de compor uma sinfonia baseada na história das dez pragas do Egito, e se compusesse uma sinfonia como a do Sr. Rachmaninov, ele teria cumprido sua tarefa de forma brilhante e iria deliciar os habitantes do Inferno”.

 

Ao pegar o trem para Moscou, Rachmaninov era um homem diferente: “minha confiança em mim mesmo havia recebido um golpe duro. Horas de agonia gastas em dúvida e considerações trouxeram-me a conclusão de que eu deveria desistir de compor”. Um colapso nervoso e três anos de silêncio o levaram a buscar ajuda. Iniciou um série de tratamentos com o neurologista Nikolai Dahl e teve a oportunidade de se encontrar, por três dias, com o escritor Leon Tolstoy, que restaurou sua autoestima, devolveu-lhe a confiança e o estimulou a seguir em frente: “Meu jovem, você acha que tudo na minha vida corre suavemente? Você acha que eu não tenho problemas, nunca hesito ou perco a confiança em mim mesmo? Você realmente acha que minha convicção é sempre igualmente forte? Todos nós temos momentos difíceis; mas esta é a vida. Mantenha a cabeça erguida, e continue em seu caminho determinado.”

 

Rachmaninov voltou a compor e tornou-se um dos maiores compositores do século XX. Ele desistiu da publicação da Sinfonia e deixou a partitura em Moscou, em 1917, quando partiu da Rússia. A obra nunca mais foi apresentada enquanto ele viveu. Após sua morte, as partes orquestrais, alteradas pela mão de Glazunov, foram descobertas no Arquivo Belyayev da Biblioteca do Conservatório de Leningrado (São Petersburgo) e a partitura pôde ser reconstruída. A segunda execução da peça se deu no Conservatório de Moscou em 17 de outubro de 1945, sob a regência de Aleksandr Gauk. Em 1977 foi publicada na União Soviética uma edição crítica que, baseando-se em uma versão para dois pianos do fim do século XIX, restaura a Sinfonia ao seu estado original – antes das modificações de Glazunov. Esta tem sido a base para as execuções desde então.

 

Em quatro movimentos, a Sinfonia no 1 contém uma integração motívica ímpar, com fragmentos melódicos que se entrelaçam em todos os movimentos, criando uma obra extremamente uniforme e coesa. Ao longo de toda a Sinfonia trechos anteriormente apresentados são retrabalhados de forma variada, ao mesmo tempo em que fragmentos aparentemente esquecidos se transformam em material novo. O jogo de semelhança e diversidade do material musical é o jogo próprio desta obra. O primeiro movimento (GraveAllegro ma non troppo) é majestoso e apresenta a maior parte do material a ser trabalhado ao longo da Sinfonia. O segundo movimento (Allegro animato) é uma espécie de Scherzo, com um andamento enérgico típico da música russa folclórica. O terceiro (Larghetto), uma cantilena rústica, traz um pouco de calma à impetuosidade desta obra de juventude. O Finale (Allegro con fuoco) é uma frenética fanfarra marcial em que os metais e a percussão dominam a cena por quase todo o movimento.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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