Sinfonia nº 3

Aaron COPLAND

(1946)

 

Entre 1929 e o fim da Segunda Grande Guerra, o processo de recuperação econômica dos Estados Unidos pós-depressão favoreceu a revalorização das tradições folclóricas do país. Aaron Copland, de forma oportuna e quase utilitarista, contribuiu para reacender o orgulho nacional americano ao criar música num estilo acessível, capaz de se conectar facilmente com o grande público. Em suas obras mais famosas – Billy The Kid (1938), Rodeo (1942), Appalachian Spring (1944) e Old American Songs (1952) –, Copland captou cenas do oeste americano, aumentando o apelo popular de seu trabalho, e o fez de forma brilhante, alcançando inigualável equilíbrio entre a música de vanguarda e o estilo folk-song norte-americano, o que lhe proporcionou grande prestígio.

 

Uma das principais características das obras de Copland, além do nacionalismo, é a versatilidade: escreveu para salas de concerto, teatro, balé e cinema. Seu reconhecido talento rendeu-lhe bolsas de estudo Fulbright e Guggenheim, e a qualidade de sua obra foi reconhecida com os mais altos galardões internacionais: Prix de Paris, Prêmio Pulitzer, Grammy, Emmy e um Oscar de melhor trilha sonora para o filme americano The Heiress, de 1949.

 

Professor, crítico musical, escritor e maestro, Aaron Copland nasceu no Brooklyn, em Nova York. Seus pais eram imigrantes judeus russos, cujo sobrenome, Kaplan, fora erradamente registrado como Coplan, provavelmente pelas autoridades de Glasgow, na Escócia, onde viveram antes de seguirem para a América.

 

Aaron iniciou os estudos de teoria musical e composição aos dezessete anos, com Rubin Goldmark, prosseguindo-os com a célebre Nadia Boulanger, em Paris. Foi Nadia quem abriu as portas do circuito internacional da música erudita ao jovem compositor nova-iorquino de vinte e três anos, encomendando-lhe uma obra que ela mesma executaria em sua estreia americana, como organista. O resultado foi a Sinfonia para Órgão e Orquestra (1924), que, ao passar pelas mãos do maestro russo Koussevitzky, viria a garantir a Copland o comissionamento e realização de novas obras. Serge Koussevitzky, um dos principais apoiadores do compositor, foi diretor da Orquestra Sinfônica de Boston por 25 anos e, durante esse período áureo para a música norte-americana, fez florescer em torno de si um bem-sucedido grupo de novos compositores, uma excelente orquestra, um magnífico festival anual de música clássica e uma prestigiosa escola de música. Foi ele o responsável pela estreia da Sinfonia nº 3 de Copland, em outubro de 1948. Escrita entre 1944 e 1946, foi encomendada pela Fundação de Música Koussevitzky e dedicada à memória de sua fundadora, Nathalie Koussevitzky, segunda esposa de Serge, falecida em 1942.

 

Ao se dedicar, em meados do século XX, a compor uma sinfonia, uma das formas fundamentais da música ocidental, Copland conhecia exatamente os riscos que correria: a sinfonia era uma forma em declínio, gasta e abandonada pelos autores modernos. Copland foi um dos compositores da nova geração a se responsabilizar pelo reerguimento da sinfonia, libertando-a da forma-sonata e reestruturando-a internamente em cada movimento. Para que isso ocorresse, observou que os materiais musicais precisariam ser introduzidos de maneira menos tensa, que as divisões em grupos temáticos deveriam esfumar-se e que não poderia haver uma generalização quanto à natureza do desenvolvimento e da recapitulação dos elementos da exposição. “Eis porque a sinfonia moderna, para nós, é mais difícil de ouvir do que a antiga, cujos contornos básicos já estavam substancialmente digeridos pela nossa consciência musical”, reconheceu o compositor.

 

Na Sinfonia nº 3, sua obra orquestral mais imponente e última do gênero, Copland esquivou-se da habitual estrutura dos tradicionais primeiros movimentos sinfônicos para criar um movimento de contorno único, a partir de três temas interligados e semelhantes entre si. O primeiro é uma melodia em largos intervalos cantados em uníssono; o segundo, mais fluente ritmicamente, conduz ao clímax no qual os trombones apresentam o terceiro tema. As melodias longas, sustentadas por notas pedais graves, mostram que Copland concebera a orquestra como um imenso órgão de tubos de timbres exuberantes. A ascensão espiritual do movimento inicial, o caráter jubiloso do segundo e os momentos meditativos do terceiro irão preparar o ouvinte para o extasiante último movimento, no qual desponta a Fanfare for the Common Man (1942), tão familiar aos norte-americanos, e cuja versão expandida explica a gênese de toda a obra. Leonard Bernstein reconheceu a gama de emoções que a Sinfonia nº 3 de Aaron Copland transmite aos ouvintes: “otimismo, simplicidade, sentimentalismo e nobreza”. Na verdade, Copland superou a corrente romântico-nacionalista ao tocar fundo o espírito norte-americano e hastear o coração de seu povo junto às “Estrelas e Faixas”, com um estilo musical novo, único e marcante: patriota.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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