Sinfonia nº 35 em Ré maior, K. 385, “Haffner”

Wolfgang Amadeus MOZART

(1782)

As circunstâncias da composição da Sinfonia no 35 de Mozart são as mais curiosas. Em 1776, o compositor recebera, de seu amigo Sigmund Haffner filho, a encomenda de uma obra para celebrar o casamento de sua irmã. O pai de Sigmund, além de respeitado negociante, havia sido prefeito de Salzburgo. Mozart compôs, para esse casamento, uma serenata em oito movimentos (K. 250) que, por ter entrado para a história com o título de Serenata Haffner, acabou muitas vezes sendo confundida com a Sinfonia Haffner. Em julho de 1782, Sigmund Haffner filho era elevado à posição de Cavaleiro do Reino pelo imperador José II. Leopold Mozart escreveu ao filho transmitindo o pedido, de Sigmund, de uma nova serenata para essa ocasião. Wolfgang vivia em Viena, na época, e estava sobrecarregado de trabalho. Além dos preparativos para seu próprio casamento, a ópera O rapto do serralho havia estreado com sucesso e ele precisava orquestrá-la para banda, antes que alguém o fizesse e recebesse o pagamento pela empreitada. Ainda assim, para não desapontar o pai, ele resolveu aceitar a encomenda, prometendo enviar a nova obra, parte por parte, assim que fosse sendo composta, mesmo que precisasse escrevê-la durante a noite. O último movimento foi enviado pelo correio, no início de agosto. Não sabemos se a partitura chegou a tempo para as festividades, nem se a música foi alguma vez executada em sua forma original.

 

Em 21 de dezembro, Mozart pediu ao pai que lhe enviasse o manuscrito da “nova sinfonia que compus para o Haffner, a pedido seu.” Sua intenção era apresentá-la em uma série de concertos planejados para o Burgtheater, em Viena. O manuscrito chegou em fevereiro de 1783. Embora fosse originalmente pensada como música de divertimento, e composta com muita pressa, a música era de qualidade ímpar: “Minha nova sinfonia Haffner me surpreendeu positivamente, pois eu tinha me esquecido completamente de todas as notas. Ela vai, com certeza, produzir um bom efeito” (carta ao pai, 15/02/1783). Não sabemos, ao certo, quanto Mozart alterou na partitura. Em todo caso, dos sete movimentos originais, retirou o primeiro e o sétimo (uma marcha que abria e fechava a obra, atualmente catalogada como K. 408/2), e ainda um segundo minueto, hoje perdido.

 

A Sinfonia Haffner, em sua versão definitiva, possui quatro movimentos. O primeiro (Allegro con spirito) é imponente, sem deixar de ser animado, como convinha à música originalmente composta para uma celebração tão solene. De acordo com Mozart, era para ser tocado “com grande paixão” (carta ao pai, 07/08/1782). A elegância do segundo (Andante) e do terceiro (Menuetto) movimentos nos remete, invariavelmente, à música de divertimento típica da Salzburg na época – o Andante é gracioso, e o Menuetto, brilhante. O Finale (Presto) é um movimento vivaz e cheio de energia. Para Mozart, deveria ser tocado “o mais rápido possível” (carta ao pai, 07/08/1782). A estreia se deu sob sua regência, em concerto beneficente promovido pelo próprio Mozart, no Burgtheater, em 23 de março de 1783. O concerto foi um sucesso. O teatro estava lotado, e o que mais lhe agradou foi que o imperador José II esteve presente: “oh, meu Deus, como ele ficou encantado e como me aplaudiu!” (carta ao pai, 29/03/1783).

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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