Sinfonia nº 3 em ré menor

Anton BRUCKNER

(1872/1873, versão 1889)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

“Para vozes angelicais, espíritos devotos, corações atormentados e almas purificadas pelo fogo”. As palavras de Mahler, em sua partitura do Te Deum de Bruckner, substituíram a indicação “para coro, solistas e orquestra”. O grande regente, que amava a música de Bruckner e em muito contribuiu para a divulgação da obra do amigo, deixou-nos, com aquela inscrição, um primeiro testemunho da mensagem de transcendência da obra bruckneriana. A despeito dos detratores de sua música no meio cultural vienense, da polêmica levantada em torno do wagnerismo de sua linguagem – muito mais um exagero da crítica do que uma característica marcante –, foi em meio ao enfrentamento de situações desfavoráveis que Bruckner seguiu, obstinadamente, sua trajetória. Para a polêmica contribuiu, sobretudo, sua admiração por Wagner, dedicatário da Terceira Sinfonia, de quem Bruckner assistiu, em Munique, à primeira apresentação do Tristão e Isolda. Para os reveses e incompreensões contribuíram as singularidades da personalidade do compositor, homem simples até a humildade e religioso – de uma fé inabalável – até o misticismo.

 

Embora possa ser temerário insistir em tecer paralelos entre a personalidade de um artista e características de sua obra, podemos dizer que o sinfonismo bruckneriano é atravessado por um senso de convicção, por uma sinceridade e espírito de devoção que aproximam suas sinfonias de suas obras religiosas. Além disso, o compositor dá mostras do vigor e da delicadeza que sempre o distinguiram e que transparecem – em uma orquestração para a qual o Bruckner organista trouxe a sonoridade de seu instrumento – tanto nas passagens densas e robustas, quanto nos momentos de transparência e leveza que lembram de perto registrações organísticas. Se atentarmos para a forma com a qual o compositor trabalha cada ideia musical – com a mesma paciência e obstinação que lhe marcaram o caráter –, compreenderemos um pouco por que é possível acompanhar a evolução das muitas ideias e temas musicais que circulam pela Sinfonia. Bruckner age como um dramaturgo que dá a cada tema, como daria a um personagem, o tempo que ele precisa para desempenhar seu papel na trama sinfônica.

 

O ouvinte atento reconhecerá a presença do tema de abertura, não apenas quando de seu retorno na seção da reexposição, mas também na seção do desenvolvimento e na seção conclusiva, tal a pregnância de sua cor orquestral, de suas harmonias, células e motivos melódicos. Ao final do quarto movimento, esse mesmo tema concluirá, de modo eloquente, o longo percurso desta Sinfonia. Percurso no qual estão presentes o lirismo intenso do movimento lento, o brilho do Scherzo, alternado com uma atmosfera leve e de dança no Trio, e a grandiosidade do Finale. Aqui, logo após o tema que abre o movimento, Bruckner brinda-nos com um momento de rara beleza: a superposição de uma polca e de um coral – leveza e solenidade, encontro de dois mundos, rara compreensão e integração de duas realidades. Sinfonia para orquestra… Sinfonia para expressar devoção, amor à vida e uma visão além de seus limites.

 

Oiliam Lanna
Compositor, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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