Sinfonia nº 4 em dó menor, D. 417, “Trágica”

Franz SCHUBERT

(1816)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, tímpanos, cordas.

Primeira apresentação com a Filarmônica: 17 de maio de 2018

 

Entre os compositores canônicos do Classicismo vienense, Schubert foi o único que nasceu em Viena. Recebeu as primeiras lições de piano do irmão mais velho. Aos oito anos, o pai começou a ensinar-lhe violino, enquanto o organista da paróquia local lhe dava aulas de baixo figurado, canto e órgão. Aos onze, entrou para o coro da Hofkapelle e, com isso, passou a receber uma educação normalmente reservada à aristocracia. Nesse período, estudou com Salieri por dois anos. O Internato Imperial, onde permaneceu por cinco anos, possuía excelente orquestra de alunos, à qual ele se juntou como segundo violino. Descobriu assim obras de Haydn, Mozart e Beethoven. Aos quatorze anos, durante as férias, passou a integrar como violista o quarteto de cordas da família. Aos dezesseis, completou sua Primeira Sinfonia, que regeu com a orquestra da escola. Após a mudança de voz, recebeu a oferta de uma bolsa para prosseguir seus estudos, mas preferiu preparar-se para a carreira de professor a fim de se dedicar à música. Até sua morte, aos 31, compôs prolificamente.

 

Schubert destacou-se em gêneros então marginais, como a canção, o duo pianístico e peças para piano, aos quais conferiu relevância inusitada. Nenhuma canção de Haydn, Mozart ou Beethoven poderia ter preparado o público para o impacto da primeira de suas canções sobre poema de Goethe, Gretchen am Spinnrade, aos dezessete anos. Nas músicas de câmara e sinfônica, amadureceu gradualmente. De todas as formas que praticou, a sinfonia era a que menos interessava a seus apoiadores. Dentre as sete que concluiu, boa parte das juvenis foi escrita para a orquestra desenvolvida por incremento do quarteto doméstico.

 

Schubert concluiu a Quarta Sinfonia, em dó menor, aos dezenove anos. A estreia, em Leipzig, só ocorreu em 1849, duas décadas após sua morte. O cromatismo tateante da introdução lenta tem por modelo a introdução do Quarteto das Dissonâncias, de Mozart, mas o segundo grupo temático do Allegro principal se desloca para a submediante, traço característico de Schubert, e o movimento termina desanuviado, em modo maior. Dos dois movimentos internos, em maior, o Andante em lá bemol inclui duas seções tormentosas em menor, enquanto o Minueto, em mi bemol, é perturbador em seu cromatismo. Também o Allegro final desloca o segundo grupo para a submediante e traz a recapitulação em maior – mais efeito de cor que resolução de conflitos.

 

Responsável pela primeira publicação da Quarta, em 1884, Brahms declarou ao editor que as sinfonias juvenis “não deveriam ser publicadas, mas apenas piamente preservadas”. Em seu tempo, Dvorák foi um dos poucos admiradores dessas obras, nas quais o caráter das melodias, as progressões harmônicas e vários detalhes de orquestração lhe revelavam a individualidade de Schubert. A crítica atual procura dissociar a Quarta da sombra de Beethoven. Ao apresentá-la na BBC de Londres em 2014, Stephen Johnson ressaltou a engenhosidade das transformações de motivos, a ousadia dos encadeamentos de acordes, os contrastes de afetos e a constância de motivos em transformação através de seções de caráter antagônico.

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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