Sinfonia nº 4 em Mi bemol maior, “Romântica”

Anton BRUCKNER

(1874/revisão em 1880)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.

 

Durante um ensaio de sua quarta sinfonia, conta-nos Roland de Candé em sua História Universal da Música, Bruckner “se aproxima encantado do maestro Hans Richter e põe-lhe na mão um táler, recomendando-lhe beber uma caneca de cerveja à sua saúde”. Essa moedinha, segue Candé, foi conservada religiosamente por Richter presa à corrente de seu relógio. Das muitas anedotas que envolvem a pessoa de Bruckner, essa talvez seja a mais célebre e ilustra bem a sua figura um tanto simplória, tímida, ao mesmo tempo desajeitada e enternecedora. Por isso mesmo é que ele se tornou uma das personagens mais cativantes da história da música. Mas isso não lhe diminuiu a importância! Ao contrário, Bruckner é uma ponte direta entre Schubert e Mahler e, daí, à Segunda Escola de Viena. Foi através da ascendência de Wagner sobre Bruckner que a música na Áustria encontrou a necessidade de escapar das estruturas clássicas e de finalmente emancipar a dissonância. Por isso seu romantismo é tão profundo: ele é mais instintivo, mais livre e mais ousado do que a maioria de seus contemporâneos.

 

Exímio organista, atividade que exerceu boa parte de sua vida, Bruckner era extremamente devoto, por formação e por temperamento. Sua música transpira tanto uma coisa quanto outra. Seja por opor famílias instrumentais homogêneas, seja por nos fazer contemplar um grandioso cheio, a disposição de sua orquestra lembra, por vezes, os registros do órgão. Sua piedade religiosa é uma das principais fontes de sua atividade criadora. Ele transporta para o universo sinfônico a espiritualidade dos corais, e os extensos desenvolvimentos temáticos de suas sinfonias parecem exalar uma metafísica em que o tempo não conta no diálogo com Deus. Ademais, os longos períodos de maturação em seu trabalho de compositor e as múltiplas revisões de suas obras parecem refletir um senso de temerosa responsabilidade diante da vocação que as inspira.

 

A Quarta Sinfonia não escapa ao caso. Ela sofreu inúmeras modificações, até 1888. A despeito das revisões anteriores e posteriores, foi estreada em Viena, sob a batuta de Hans Richter, em 1881. Foi um sucesso estrondoso e conta-se que o compositor foi chamado ao palco para saudar o público ao final de cada um dos movimentos. Desde então, ela se tornou uma das obras mais célebres e mais executadas de Bruckner. O apelido “Romântica”, dado por ele mesmo, parece advir de um programa imagético, à maneira de Wagner, baseado em castelos, caçadas e festejos medievais. Isso, no entanto, é o que menos conta na obra. Importam muito mais o Ländler (dança tradicional austríaca) usado na seção central do terceiro movimento, que, se não se tivesse a certeza de Bruckner, suspeitar-se-ia Schubert; as duas ideias melódicas que se opõem no segundo movimento (de causarem inveja a qualquer dialética) e, aí, o discurso quase declamado posto na voz das violas; os contrastes entre metais e cordas no primeiro movimento e, nele, as melodias que sabem ao popular.

 

É que Bruckner nunca abandona o lirismo melódico da tradição de Schubert. Se ele algum dia foi chamado de prolixo, é porque seus críticos não souberam ver que suas obras exalam o perfume da eternidade.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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