Sinfonia nº 4 em mi menor, op. 98

Johannes Brahms

(1885)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

Ao contrário de diversos autores, Schoenberg defendia a importância da contribuição de Brahms para a modernidade. Apesar da diferença de seus estilos, esses dois compositores foram fiéis à essência da música de câmara e a algumas de suas técnicas compositivas – como a variação contínua de motivos e a diversidade nos modos de repetição – que permitiam construir uma espécie de prosa musical livre dos procedimentos tradicionais da quadratura métrica.

 

A Sinfonia nº 4 representa o ápice da produção de Brahms no gênero. Nela destaca-se o Finale, em forma de Passacaglia – com um tema de oito compassos e trinta variações –, talvez sua tentativa mais completa de sintetizar práticas de composição antigas e modernas.

 

O Allegro non troppo usa a forma sonata, porém com aglomerados temáticos ao invés de temas: cada um dos temas tem diversas partes com características contrastantes. Há também grande fluência temporal, com figuras melódicas que se sucedem de maneira rápida e contínua, mas o retorno estratégico de alguns elementos centrais permite que a memória organize o passar do tempo, criando um percurso balizado por referências. Por sua vez, a variação do material musical associa-se a uma carga dramática, como se a transformação não atuasse apenas sobre o som, mas também sobre o sujeito que escuta.

 

O Andante moderato inicia-se com um tema de caráter antigo e cerimonial que se repete diversas vezes, com variações. Na última apresentação, a metamorfose é mais profunda no ritmo e na melodia, e a orquestração é ampla e suave. Na transição para o segundo tema, ouve-se o diálogo entre os naipes de sopros e cordas. O segundo tema é um exemplo de melodia acompanhada, onde as partes do acompanhamento se movem com grande independência melódica. A imaginação formal de Brahms utiliza, nesse tema, a mesma figura melódica da transição, aqui em ritmo muito mais lento, propondo, talvez, um reconhecimento não inteiramente consciente por parte do ouvinte. Essa seção termina em grande transparência, com um motivo que se alterna entre violino, flauta e viola, sem acompanhamento; os dois temas se voltam com diversas transformações.

 

O Allegro giocoso, de caráter festivo, incorpora contrafagote, flautim e triângulo à orquestra, expandindo a sonoridade. Os aglomerados temáticos são formados de elementos que se sucedem de modo imprevisto. No desenvolvimento, as figuras melódicas são transpostas em diversas tonalidades e submetidas a diálogos de grupos instrumentais. O movimento vertiginoso se apazigua na transição que precede a retomada do material inicial.

 

O Allegro energico e passionato é uma elegia solene, em variações sobre um tema de Bach. Texturas polifônicas se transformam a cada bloco de oito compassos. O tema passa por instrumentos diferentes, sofre deslocamentos rítmicos e é submerso na textura devido à profusão das linhas melódicas. Para evitar a monotonia, o autor desloca a escuta para outros elementos da textura, construindo uma espécie de narrativa musical evolutiva, em contraposição ao retorno obstinado do mesmo tema. Na evolução do discurso musical, há momentos de grande delicadeza – quase como ilhas sonoras transparentes – que interrompem o crescendo dramático em direção ao final do movimento.

 

Rogério Vasconcelos
Compositor e professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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