Sinfonia nº 4 em ré menor, op. 120

Robert SCHUMANN

(1841, revisada em 1851)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

A apresentação da quarta sinfonia de Schumann conclui a excelente série, realizada neste ano pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, de concertos comemorativos do bicentenário do compositor. A oportuna iniciativa tornou-se um privilégio, pois a música orquestral de Schumann, bastante original e inovadora, permanece pouco difundida, apesar de toda sua beleza.

 

Schumann só se dedicou à orquestra na maturidade, quando julgou possuir algumas ideias realmente próprias. As principais características de seu gênio (entre elas, a capacidade de criar em poucos compassos um drama de intenso sentimento poético) predispunham-no às peças pequenas e cristalizavam-se com concisão admiravelmente lógica em seus Lieder e em sua singular produção pianística. Mas o compositor sabia que tais qualidades diluíam-se ao escrever para a grande orquestra, segundo modelos arquitetônicos preestabelecidos. De fato, entre 1828 e 1839, Schumann compôs quase exclusivamente para piano. Em 1840, depois do seu casamento com Clara Wieck, dedicou-se aos Lieder, escrevendo muitas de suas melhores canções.

 

Quando planejou a primeira sinfonia (1841), Schumann teve que se moldar à grande forma-sonata orquestral e, mesmo estudando e admirando incondicionalmente as sinfonias de Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert, procurou um caminho pessoal nesse campo. Entre seus contemporâneos, não lhe atraía a proposta dos poemas sinfônicos de Berlioz ou Liszt e, por outro lado, sua fantasia afastava-o do delicado equilíbrio formal das sinfonias de Mendelssohn.

 

Nas quatro sinfonias, Schumann revela todas as contradições típicas do Romantismo que ele vivenciou de maneira radical, até o fascínio e os terrores da loucura. O compositor converteu em estímulos musicais várias aspirações do movimento – a ironia permeada de angústia metafísica e de emoções intensas; o mistério da noite; a infância; a floresta encantada; as terras distantes; a Primavera; o rio Reno… A música de Schumann traz um aspecto autobiográfico, confidencial. Para melhor manifestar a pluralidade de seu mundo interior, criou heterônimos (o introspectivo sonhador Eusebius, o revolucionário impetuoso Florestan, o conciliador Mestre Raro) que discutem, dialogam e enriquecem a trama musical com suas personalidades sonoras opostas. Os heterônimos também assinaram algumas críticas musicais na imprensa e assumiram a luta estética do compositor, proclamando a liberdade formal contra o academismo dos Filisteus da Música.

 

Fiel a esse princípio, Schumann trata o gênero sinfonia com grande liberdade – os contrastes necessários ao discurso musical se estabelecem mais pelo encadeamento melódico do que pela oposição temática. A beleza dos temas e a presença de ideias secundárias disfarçam a rigidez da forma sonata e permitem um desenvolvimento alternativo ao típico jogo bitemático clássico.

 

A primeira versão da Sinfonia nº 4, sob o título original de Fantasia sinfônica, foi composta logo após a primeira sinfonia, em 1841. Lentamente amadurecida, só adquiriu sua forma definitiva dez anos depois, quando já haviam sido estreadas a segunda e a terceira sinfonias. A preocupação schumanniana com a unidade formal é marcante nesta quarta sinfonia – as diversas partes sucedem-se umas às outras sem interrupção, desfazendo o caráter fechado de cada uma delas e formando uma só peça. Vários temas circulam por todos os movimentos, transfigurados em engenhosas reapresentações, obtendo maior unidade orgânica entre as diferentes partes e conduzindo a atenção do ouvinte.

 

A Sinfonia inicia-se com uma Introdução lenta que se une a um Allegro por um acelerar gradativo do andamento. Os temas expostos nesta primeira seção terão papel relevante na arquitetura de toda a obra. Assim, o melancólico motivo da Introdução reaparecerá nos movimentos centrais, três vezes transfigurado. Na Romança, reapresenta-se em tom maior, após a bela melodia inicial dos oboés e violoncelos. No movimento seguinte, transfigurado em cânone invertido, o mesmo motivo determina a ambientação rude e saltitante do Scherzo, para, depois, por meio de sutis variantes cromáticas, mudar radicalmente seu caráter e impregnar o Trio de lirismo doce e sonhador.

 

Por sua vez, o tema principal do Allegro inicial, um sinuoso arabesco, reaparecerá no movimento Final da sinfonia, dando-lhe um aspecto cíclico. Entretanto, caprichosamente, Schumann conclui a obra com um novo e inesperado tema (tratado em stretto presto) de caráter heróico e repleto de luminosidade.

 

A Sinfonia nº 4 de Schumann estreou em Düsseldorf em 1853.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor de Música da UEMG, autor do livro Músico, doce músico.

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