Wolfgang Amadeus MOZART
Mozart parece ter vivido toda sua curta existência com a cabeça fervilhando de ideias musicais. Ele era capaz de compor música em qualquer lugar e em qualquer situação, fosse jogando sinuca, conversando com os amigos ou viajando de carruagem. O que a maioria dos grandes compositores levava meses para compor, Mozart levava dias. Às vezes horas. Conta a lenda que, em Praga, em 6 de fevereiro de 1787, Mozart compôs as Seis danças alemãs (K. 509) em menos de uma hora. Quando recebeu o convite do Conde Pachta para jantar, faltava apenas uma hora para os convidados chegarem, e ele não tinha ainda composto as danças que prometera ao anfitrião. Sentou-se à escrivaninha, compôs rapidamente e, em uma hora, estava na casa do Conde com as danças prometidas.
Mozart não apenas compunha música com extrema rapidez, como tinha uma facilidade incrível para guardar uma obra inteira, de memória, sem que nada fosse capaz de distraí-lo. Sua Sonata para piano e violino (K. 379), de 7 de abril de 1781, foi composta com tanta rapidez, que Mozart não teve tempo de escrever a parte do piano e preferiu guardá-la na memória para o concerto da noite seguinte. Em uma carta ao pai, escrita em Viena na noite de 8 de abril, logo após o concerto, Mozart fala da estreia da Sonata, executada pelo violinista Antonio Brunetti e pelo próprio Mozart ao piano: “… a sonata para violino, com acompanhamento para eu mesmo tocar, eu compus a noite passada, entre onze horas e meia-noite (para conseguir terminá-la, eu escrevi apenas a parte do Brunetti e guardei a minha na cabeça)…”.
Para Mozart, compor era uma alegria ímpar. Cada nova composição surgia praticamente pronta em sua cabeça, e o único trabalho que tinha era o de escrevê-la no papel. Raramente fazia correções em seus manuscritos e, quando fazia, eram geralmente pequenas modificações de fraseado, ornamentação ou dinâmica. Tão grande era a facilidade de Mozart, que ele era capaz de compor uma música, ao mesmo tempo em que escrevia a partitura de outra. O caso do Prelúdio e Fuga para piano (K. 394), de 1782, é surpreendente. Em uma carta à irmã, no dia 20 de abril de 1782, Mozart diz: “… eu terminei de uma maneira desajeitada. O Prelúdio deveria vir primeiro, e a Fuga deveria segui-lo, mas eu já tinha composto a Fuga, e enquanto eu a escrevia, eu compunha o Prelúdio”.
Sua última sinfonia, a Sinfonia no 41, foi composta em circunstâncias também incríveis. Geralmente, uma sinfonia leva meses para ser composta. Mozart, entretanto, durante o verão de 1788, compôs três sinfonias em menos de dois meses: a Sinfonia no 39 (K. 543) foi completada no dia 26 de junho; a Sinfonia no 40 (K. 550), em 25 de julho; e a Sinfonia no 41, “Júpiter” (K. 551), em 10 de agosto. Ao que tudo indica, as três não foram encomendadas por ninguém, mas Mozart raramente compunha sem um propósito. Em vista das dificuldades financeiras que passava na época, talvez ele estivesse planejando vendê-las a um editor ou executá-las em algum concerto em Viena. Ou, quem sabe, planejava uma turnê a Londres, como mais tarde fizera Haydn? Desde o início do século XVIII, vários compositores alemães encontraram sucesso artístico e financeiro em Londres. E quando convidado a se apresentar em uma grande cidade, era comum o compositor levar consigo um conjunto de novas obras (o que ajudaria a explicar o inusitado conjunto de três sinfonias). Se essas eram suas intenções, ele não viveu para concretizá-las: Mozart faleceu em 5 de dezembro de 1791, antes que a possível turnê a Londres fosse realizada. Suas últimas sinfonias foram editadas apenas na virada do século e não se tem registro algum de que as três tenham sido executadas enquanto era vivo. “Júpiter”, o subtítulo de sua mais grandiosa sinfonia, daquela que abriria definitivamente as portas para o Romantismo musical do século seguinte, não se originou da pena de Mozart. Ironicamente, parece ter sido criado em Londres, pelo empresário Johann Peter Salomon, que levou Haydn à capital inglesa no ano de 1791 e que desejava levar Mozart no ano seguinte.
Guilherme Nascimento
Doutor em Composição, professor de Música da UEMG e da Fundação de Educação Artística, autor do livro Música menor.