Sinfonia nº 6, “Sobre a linha das montanhas”: Lento

Heitor VILLA-LOBOS

(1944)

Instrumentação: 2 piccolos, 4 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, celesta, cordas.

 

“Até a própria Natureza é também uma grande artista para quem sabe apreciá-la com respeito, fé e vontade de querer”, afirmou Heitor Villa-Lobos. Ao admirarmos cada palmo de sua obra, deparamos com uma criatividade admirável, às vezes grandiloquente tal qual a vastidão das terras brasileiras, as quais ele palmilhou coletando melodias indígenas e canto dos pássaros. Para além das escolas nacionalistas, sua música é uma declaração de amor à pátria e se estende, literalmente, pelas serras e montanhas brasileiras. A milimetria, ou milimetrização, processo criado por Villa-Lobos, propõe-se a transformar o contorno das serras em linhas melódicas, ao relacionar frequência e duração rítmica. Essa técnica composicional, batizada por ele “Melodia das Montanhas”, surgiu em 1935, inspirada na silhueta do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Em 1939, a ideia foi concretizada em duas obras para piano: Melodia da Montanha, utilizando as linhas da Serra da Piedade, em Caeté, Minas Gerais, e New York Skyline Melody, a partir do contorno dos arranha-céus de Manhattan. A milimetrização foi inserida no programa do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico – do qual Villa-Lobos foi nomeado diretor em 1943 – como um processo pedagógico de criação musical que despertaria nos alunos o gosto pela composição. Posteriormente, na França, Olivier Messiaen – que reconhecera Villa-Lobos como grande orquestrador – qualificou oito elementos extramusicais motivadores de uma composição musical, entre eles a geometria das montanhas, advindo do reino mineral.

 

Villa-Lobos compôs ao todo doze sinfonias – embora esteja a Quinta extraviada – que merecem ser executadas publicamente e ombreadas aos grandes ciclos das Bachianas Brasileiras e dos Choros. A Sinfonia nº 6, escrita em 1944, é a composição que melhor representa a técnica da milimetrização. Ela utiliza três contornos: do Pão de Açúcar, Rio de Janeiro; da Serra da Piedade, Minas Gerais; e da Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro, anotados por Villa-Lobos em 1935, 1937 e 1940, respectivamente. A obra, dedicada a sua esposa Mindinha, foi estreada no Rio de Janeiro em 29 de abril de 1950 pela Orquestra do Theatro Municipal, conduzida pelo compositor. O segundo movimento possui uma textura orquestral que se caracteriza por glissandi nas cordas e solos nas madeiras, citando os temas das serras que anotara. Aos poucos a música se adensa, as brumas dessa atmosfera misteriosa são desfeitas, rompidas pela percussão e iluminadas pelos metais.

 

As onze sinfonias de Villa-Lobos foram recentemente gravadas pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo com regência do maestro Isaac Karabtchevsk, que também fez um trabalho de revisão musicológica das obras.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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