Sinfonia para instrumentos de sopro

Igor STRAVINSKY

(1920 | Revisada em 1947)

Instrumentação: 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 3 clarinetes, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba.

 

Stravinsky foi apresentado a Debussy em 25 de junho de 1910, após a estreia de seu balé O pássaro de fogo. Sergei Diaghilev, empresário dos Ballets Russes, levou o compositor francês ao camarim para cumprimentar o jovem russo. Debussy, aos quase 48 anos de idade, tinha sentimentos ambíguos em relação a Stravinsky, que acabara de completar 28. Se, por um lado, reconhecia seu grande talento, por outro via com reservas as sonoridades ultramodernas que o jovem introduzia na música de concerto. O choque de gerações não poderia ser mais curioso. Debussy já provocara as mesmas reações nas gerações mais velhas. Quando estudante em São Petersburgo, Stravinsky ficara fascinado com a revolução musical que o francês ajudava a criar. E o sexagenário Rimsky-Korsakov preocupava-se com o poder daquela música e a possibilidade de se deixar influenciar por ela. Quando Stravinsky perguntava ao seu mestre se ele iria a um concerto em que obras de Debussy seriam executadas, o velho compositor respondia: “Melhor não ir. Posso começar a me acostumar com aquela música e acabar gostando”.

 

Entretanto, Stravinsky e Debussy admiravam-se mutuamente. Encontraram-se ainda algumas vezes, trocaram cartas cordiais e evitaram, ao máximo, ser influenciados pela música um do outro. Em março de 1918 falecia Debussy e, dois anos mais tarde, em junho de 1920, Stravinsky compunha um pequeno coral dedicado ao amigo. Ao pequeno coral ele acrescentou outros e, no início de julho, terminava aquela que viria a ser a sua Sinfonia para instrumentos de sopro. A estreia aconteceu em Londres, em 10 de junho de 1921, sob a regência de Serge Koussevitzky. A obra seria revisada pelo compositor em 1947.

 

O título original Symphonies d’instruments à vent traz a palavra “sinfonias” no plural, referindo-se não ao sentido clássico do termo (peça de música orquestral em vários movimentos), mas ao seu sentido etimológico (do grego syn, significando “com”, e phoné, significando “som”, ou seja, o “soar juntos em harmonia”). Escrita em um único movimento, para orquestra sem a família das cordas, a Sinfonia para instrumentos de sopro se insere no final do período russo do compositor e no início de seu período neoclássico. Stravinsky não apenas trata cada instrumento de maneira impecável, como ostenta uma série de combinações tímbricas (“sinfonias”) de rara beleza. A concepção da obra foi baseada na sucessão de pulsações de velocidades diferentes e na repetição constante de pequenas ladainhas. Essas pequenas preces litúrgicas em forma de canto são repetidas incessantemente ao longo da obra, sempre com leves variações de aumentação e diminuição nos valores de duração, e de deslocamento de acentos, e se acumulam formando o tecido próprio da obra.

 

Embora dedicada a Debussy, a Sinfonia para instrumentos de sopro em nada nos remete à música do compositor francês. Afinal, Stravinsky utilizou seu próprio idioma musical: “Ao compor as minhas Symphonies, eu naturalmente pensei naquele a quem eu queria dedicá-las. Perguntava-me qual a impressão que minha música poderia ter-lhe causado, quais foram suas reações. No meu pensamento, a homenagem que destinava à memória do grande músico que eu admirava não devia, de forma alguma, ser inspirada pela natureza própria de suas ideias musicais. Eu queria, ao contrário, falar em uma língua que fosse essencialmente a minha…”.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Composição, professor da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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