Trenodia para Toki

Takashi Yoshimatsu

Toki é o nome de um lindo pássaro japonês, branco, de corpo esguio, rosto vermelho, bico longo e curvo e penugem arrepiada no topo da cabeça. Da ponta do bico ao final da cauda, o Toki tem, aproximadamente, 75 centímetros de comprimento, e envergadura de um metro e meio. Quando visto em pleno vôo, a parte de baixo de suas asas costuma revelar uma suave coloração rosa-alaranjado. Antes de entrar em extinção, o Toki vivia no topo das árvores próximas a rios, lagoas e campos alagados de arroz e se alimentava de besouros, sapos, caramujos, moluscos e pequenos peixes. Por séculos, o Toki foi caçado no Japão, mas a maior ameaça à sua sobrevivência, nas últimas décadas, veio do desmatamento e da conversão dos campos alagados de arroz para a produção seca. O Toki entrou para a lista de animais extintos e, em 1981, sumiu dos céus japoneses. Os seis últimos remanescentes foram capturados pelo governo e tratados em cativeiro, na esperança de darem à luz novos filhotes. Ao final de poucos anos, apenas um sobrevivera. O único remanescente tinha 35 anos de idade e idoso demais para produzir filhotes. Era o fim do Toki.

 

Em 1980, inconformado com a extinção do pássaro símbolo do Japão, o compositor Takashi Yoshimatsu compôs um canto fúnebre para o Toki: Threnody to Toki, para orquestra de cordas e piano. A obra foi estreada em 19 de fevereiro de 1981 pela Japan Symphony Orchestra, sob a batuta de Kazuo Yamada. Dedicada aos últimos Tokis remanescentes, Trenodia para Toki jamais foi executada no Brasil. Yoshimatsu nasceu em Tóquio, no dia 18 de março de 1953, e se formou em engenharia pela Universidade Keio. Autodidata, aprendeu música estudando jazz e rock americano, e teve aulas de composição com Teizo Matsumura, compositor e poeta japonês. Em Trenodia para Toki, a orquestra é disposta de modo a evocar o pássaro: o piano, ao centro, representa o corpo; os contrabaixos, ao fundo, a cauda; e as cordas em espelho, metade do lado esquerdo e metade do lado direito, representam as asas. O maestro é a cabeça. Trenodia para Toki é uma belíssima peça que retrata a batalha do Toki pela sobrevivência. Ao longo da obra, as cordas evocam o canto, o bater das asas e a pungente agonia de um pássaro que luta pela vida. Um triste lamento por sua extinção e um hino a este pássaro tão maravilhoso. Seu vôo, que uma vez fora tão leve, agora se mostra vacilante e difícil.

 

No final dos anos 1980, o mundo recebeu uma excelente notícia: o Toki fora redescoberto na China. O governo chinês imediatamente proibiu o corte de árvores, o uso de pesticidas e declarou os ninhos propriedade do governo. Em 1999, a China deu de presente, ao Japão, um casal de Tokis: Youyou e Yangyang. No mesmo ano, o casal deu à luz o primeiro filhote japonês gerado por incubação artificial: Yuuyuu. No ano seguinte, novos Tokis foram encontrados na China, e novos casais foram doados ao Japão. Em 2001, a população de Tokis na China subiu para 155 selvagens e 175 vivendo em cativeiros. Em 2002, o Sado Japanese Crested Ibis Conservation Center, lar de Youyou, Yangyang e Yuuyuu, já contava com 25 pássaros. Hoje são mais de 100 Tokis vivendo em cativeiro, no Japão, e 500 na China (metade selvagem e metade em cativeiro). Em breve, o Toki vai de novo sobrevoar os céus japoneses, e obras como a Trenodia para Toki, de Yoshimatsu, servirão para nos lembrar que uma vez houve um tempo em que os homens não respeitavam a natureza e viviam em total desarmonia com o planeta.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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