Enrique SORO
(1942)
Embora figure entre as mais aclamadas e bem recebidas obras da música orquestral chilena da primeira metade do século XX, Tres aires chilenos não é ouvida como obra representativa do repertório de Enrique Soro. Devido, talvez, ao potencial e à abrangência de um repertório que se divide, segundo Silva Cruz, em cinco gêneros ou ciclos: o descritivo, o clássico, o psicológico, o lírico e o popular. O uso do folclore – principalmente certos ritmos e melodias – está restrito às poucas obras que fazem alusão direta à cultura regional, da qual Aires Chilenos é a mais ilustrativa. Soro não via no folclore a matriz de um estilo novo, ao gosto do nacionalismo que se espalhava pela América. Mas, ao contrário dos defensores de uma estética nacional, Soro entendia o folclore como fonte de material musical autêntico de onde se poderiam extrair ideias para obras de maior envergadura. Esse tratamento dispensado ao material folclórico nada mais é que o reflexo de um princípio composicional característico de Soro, pelo qual ele determina uma estrutura formal que é a seguir preenchida com elementos musicais.
Enrique Soro estudou na Itália, licenciando-se em 1904 no Conservatório Real Giuseppe Verdi, em Milão, mesma escola de seu pai, também músico. Nesse mesmo ano conquistou na instituição o Grande Prêmio de Alta Composição. Sua formação sólida, clássica e tradicional acirrou suas tendências de homem metódico, ordenado, conhecido pela clareza de ideias e ações, do que sua música é um reflexo. Tornou-se compositor reconhecido pelas formas estruturadas regularmente, dentro de quadraturas rigorosas. Apropriou-se das harmonias clássico-românticas e destacou-se por suas melodias líricas e fluentes, capazes de captar toda a atenção do ouvinte. Mas, acima disso, foi sua linguagem orquestral, o seu sinfonismo, que o colocou definitivamente em visibilidade no cenário musical de seu país. Como primeiro compositor chileno a escrever uma sinfonia, recebeu aclamação imediata quando da estreia da Sinfonía Romántica, em 1921. Foi o primeiro passo na consolidação do gênero sinfônico num país que se encontrava completamente mergulhado no lirismo das óperas italianas. Além disso, tendo sido radiodifundida nas principais capitais europeias, em Nova York e no Japão, a obra fez de Enrique Soro o mais notável dos compositores chilenos.
Composta em 1942, Tres Aires Chilenos marca, com a Suite en Estilo Antiguo, de 1943, o fim da vida composicional de Soro. Estreada no mesmo ano de sua composição, pela Orquestra Sinfónica de Chile, regida por Soro, a obra inspira-se na famosa cueca – conjunto de danças e estilos musicais da região dos Andes – Ciento veinticinco pesos. Mantendo a métrica característica, importa padrões rítmicos e melódicos dessa dança. A clareza musical deixa transparecer o material folclórico, e cada aire traça um ambiente independente. O primeiro, allegro ma non troppo, mescla o sentimental com certa alegria cadenciada. O segundo, moderato-allegro, apresenta doces recitativos preparatórios de uma euforia subsequente. O último, allegro-moderato, retrata a vivacidade da dança chilena.
Enrique Soro esteve presente em todos os cenários musicais chilenos, excetuando-se o operístico. Destacado professor por mais de duas décadas no Conservatório Nacional de Música do Chile – e diretor entre 1919 e 1928 –, formou toda uma geração de músicos. Produtor de concertos e promotor da música de seu país, foi grande pianista e principal intérprete de sua obra. Acima de tudo, era um compositor obcecado pela lógica e pela técnica, sem perder, contudo, lembra-nos Leng, as “qualidades permanentes da espontaneidade e musicalidade.”
Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais.