Vereda

Marisa Rezende

Marisa Rezende pertence à geração de compositores para a qual discussões ainda vivas sobre os rumos da música no Brasil se tornavam cada vez mais desgastadas. Distante das ideologias e mestre nas conciliações, ela soube dar atenção a estímulos diversos, sem exageros nesta ou naquela direção, e também sem preconceitos. Quem começa a perceber em suas criações a presença traiçoeira de tradições diversas é logo surpreendido por um jogo de efeitos de timbre, texturas e construções dissonantes que lhe dão um lugar muito particular na criação contemporânea brasileira.

 

Nasce no Rio de Janeiro, onde, como pianista, pratica desde cedo sobretudo o repertório romântico. Daí derivam muitas das estruturas presentes em sua música. Segue para o Recife e desperta definitivamente para a composição musical. Nos Estados Unidos dá continuidade à sua formação instrumental e fixa sua preferência pela criação. De volta ao Rio, transforma discretamente a antiga Escola Nacional de Música – hoje parte da UFRJ – num centro heterogêneo de produção musical: cria o Grupo Música Nova, que realiza inúmeras estreias em festivais, estimula a criação do curso de música eletroacústica e forma grande parte dos compositores cariocas que hoje circulam tanto pela música popular quanto pelos laboratórios de criação do país.

 

Sua produção recente é camerística e vocal – encomendas de grupos de todo o país, com repetidas reapresentações a cada reunião dos compositores mais ativos do momento. Contrastes para piano solo, de 2001, talvez seja a composição que ilustra melhor uma marca atual de seu processo composicional. Uma célula mínima, já em si mesma carregada de forte conteúdo emocional, é submetida à presença de configurações variadas que exigem constante reação do compositor (e do intérprete) na maneira de conduzi-las e dissipá-las rapidamente; o discurso se abre em ramificações diversificadas, em momentos de expressividades nem sempre unitárias…

 

Em Vereda manifesta-se essa mesma ideia da composição musical: um conjunto restrito de sons articulados em formas compactas, ou habilmente segmentadas, predomina sejam quais forem os recursos de textura empregados. Um único intervalo é articulado obsessivamente, mantendo suspensa muitas vezes a realização do fragmento melódico completo. As formas de acompanhamento transitam da transparência tonal e rarefeita ao emprego de blocos dissonantes derivados sempre das mesmas harmonias. Esses sons estão associados a uma constante rítmica que sugere as várias facetas da valsa, em diferentes níveis de construção e percepção. Esse ritmo torna-se a razão de derivações para o emprego ritualístico e estático da percussão, para gestos eloquentes e sequências direcionadas à máxima densidade. A textura orquestral, segundo a autora, “passa por transformações frequentes e desassossegadas – no plano simbólico: um percurso entregue a divagações, sonhos… e conflitos.”

 

Marcos Branda Lacerda
Musicólogo, professor da USP

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