A verdadeira fruição musical dos "Noturnos" de Chopin
| 4 nov 2020
O Requiem de Verdi na interpretação de Karajan
A história da música, não diferentemente das outras artes, mostra o descompasso que sempre existiu entre a produção estética de seus gênios e o sucesso financeiro alcançado por eles em vida. Exemplos como os de Mozart, Beethoven, Schubert, Bartók, e tantos outros, mostram a sempre evidente dificuldade em conjugar a criação de obras-primas imortais com a necessidade de sobrevivência.
Mas também existem casos em que foi possível conciliar o reconhecimento profissional com o sucesso financeiro, seja através da iluminada ajuda advinda de mecenas, como no caso de Wagner e Luís II da Baviera, ou com a popularidade de obras conquistada durante suas vidas, como nos casos de Stravinsky e Verdi.
A ópera foi a grande forma de manifestação musical da segunda metade do século XIX. Com a crescente evolução da burguesia, da construção de teatros líricos por toda a Europa e do apelo de um conceito de união das artes com que a ópera se desenvolveu, vários compositores foram capazes de traduzir sua produção artística em ganhos financeiros.
Nesse sentido, Verdi foi privilegiado por esse momento único na história da música e na história política europeia, particularmente da Itália. Não só a cultura italiana havia se desenvolvido predominantemente no campo lírico, mas as próprias circunstâncias históricas fizeram de Verdi uma pessoa socialmente célebre e venerada musicalmente.
Além de seu indiscutível talento dramático, Verdi soube sempre selecionar libretos para suas óperas que se identificavam com causas próximas ao seu povo. Essa escolha mostrava quase sempre sua preferência em mostrar povos oprimidos e subjugados por forças estrangeiras, ou injustiçados por déspotas ou tiranos, criando assim um sentimento de união entre seus contemporâneos que eventualmente contribuiu para a unificação da Itália enquanto país. Ele teve, inclusive, a sorte de se chamar VERDI, nome que veio a ser usado como sigla desse momento político, ao representar Vitório Emanuel Rei Da Itália.
Esse sentido nacionalista não se restringe às suas óperas, mas também ao seu famoso Requiem, escrito em celebração da morte do maior escritor italiano da época, Alessandro Manzoni, figura máxima do Risorgimento Italiano e responsável por unificar também a língua italiana moderna.
O Requiem de Verdi foi estreado no primeiro aniversário da morte de Manzoni (1874) e logo se estabeleceu como um dos mais importante requiems até então escritos. Mas não sem críticas. Muitos o consideravam exageradamente dramático (ou operístico) para algo de caráter litúrgico, acusando-o até de blasfemo. Não há dúvida de que este Requiem possui uma carga dramática muito transparente, mas o que se poderia esperar de um compositor que se tornaria sinônimo da linguagem lírica italiana do século XIX?
Existem várias interpretações notáveis do Requiem de Verdi, mas recomendo a de Herbert von Karajan com a Filarmônica de Viena, solistas Anna Tomowa-Sintow, Agnes Baltsa, José Carreras e José van Dam, especialmente pela sua qualidade plástica. Num momento em que estamos redirecionando nossas forças para transmissões virtuais de concertos, é sempre bom entendermos essa forma com a sua potencialidade expressiva, igualmente vinculada ao serviço da música. Como demonstrado neste vídeo, Karajan também deixou sua marca na utilização de algo aparentemente estático e monocromático, como é um concerto, em algo dinâmico, em que o caráter da música também se expressa pelas imagens.
A imagem deste post é o retrato de Giuseppe Verdi por Giovanni Boldini.
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