Abertura Festiva, op. 96

Dmitri SHOSTAKOVICH

No início de novembro de 1954 Shostakovich recebeu uma encomenda de última hora para compor uma obra para as comemorações dos 37 anos da Revolução Russa de 1917. Em dois dias ele compôs a Abertura Festiva, op. 96. Testemunhas da época contam que, à medida que ele ia terminando de escrever cada página, alguém do Teatro Bolshoi passava em sua casa para pegar a partitura, a ponto de muitas páginas terem chegado ao Teatro com a tinta ainda por secar. A estreia se deu no dia 6 de novembro daquele ano com a Orquestra do Teatro Bolshoi, sob regência de Alexander Melik-Pashayev.

 

Sete anos antes, em 1947, quando a Revolução Russa completava 30 anos, o Comitê Central do Partido Comunista decidiu que os compositores deveriam participar mais ativamente das comemorações cívicas. As resoluções do Partido eram duras demais para que os compositores ousassem recusar. Naquele ano de 1947 Shostakovich anunciou que estava compondo uma peça orquestral intitulada Abertura Festiva. A obra não se materializou e, no dia 14 de outubro, poucos dias antes do início das comemorações, foi anunciado que ele havia composto a cantata Poema para a Pátria Mãe, op. 74, para solistas, coro e orquestra.

 

O manuscrito da Abertura Festiva de 1947 jamais veio à tona. Mas é provável que o compositor tenha aproveitado sua música, transformando-a na Abertura Festiva de 1954. Isso ajudaria a explicar a extrema rapidez e facilidade com que ele conseguiu terminar a encomenda. Lev Nikolayevich Lebedinsky, musicólogo e amigo de Shostakovich, presente no apartamento do compositor na hora em que recebeu a encomenda, conta que ele imediatamente sentou-se e começou a compor a música em uma velocidade incrível:

“Quando Shostakovich escrevia música leve, ele era capaz de conversar alegremente e compor simultaneamente, como Mozart. Ele ria e brincava, ao mesmo tempo em que o trabalho se desenvolvia e sua nova música era composta.”

 

A Abertura Festiva é uma peça escrita na mais pura tradição oitocentista russa de Glinka e Rimsky-Korsakov. A obra começa com uma fanfarra dos metais seguida por uma melodia extremamente rápida nas madeiras. Os metais retornam, alternando com as cordas e as madeiras, até o ponto em que a orquestra atinge o primeiro clímax. Um momento lírico surge primeiramente nos violoncelos e, depois, nos violinos. Um súbito pianissimo na caixa-clara, acompanhada de pizzicati nas cordas e um breve crescendo servem como retorno ao material inicial das madeiras. Estamos na metade da obra e um novo crescendo orquestral nos leva ao segundo clímax, que acontece no início do terceiro terço da obra. A orquestra retoma rapidamente o fôlego e nos leva a um crescendo triunfante. Essa majestosa seção explode em um breve desfecho, vibrante e vivaz.

 

A fórmula encontrada por Shostakovich, que alia temas de caráter popular com o melhor da música sinfônica russa, provou ser um enorme sucesso. Em 1980, nos Jogos Olímpicos de Moscou, foram executados trechos da Abertura Festiva. A energia e brilho dessa obra fazem dela uma das mais conhecidas de Shostakovich.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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