Sergei RACHMANINOV
Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, trompete alto, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta, cordas.
Depois de estudar com Siloti (aluno de Liszt) e com Zverev, Sergei Rachmaninov conquistou, aos dezoito anos, a grande medalha do concurso de piano do Conservatório de Moscou. Nessa instituição conheceu Tchaikovsky, cujo apoio e amizade foram fundamentais para a definição e o desenvolvimento de sua carreira. Por toda a vida Rachmaninov manter-se-á vinculado à linguagem musical romântica consolidada no século XIX, alheio às inovações radicais das primeiras décadas do século seguinte. Além de muitas peças para piano e da obra orquestral, compôs algumas canções, uma sonata para violoncelo e um elegíaco trio em memória de Tchaikovsky.
Aos dezenove anos, Rachmaninov estreou com sucesso a pequena ópera Aleko, no Teatro Bolshoi. Logo depois, escreveu o popular Prelúdio em dó sustenido menor para piano, que lhe trouxe imediata fama internacional (e do qual, mais tarde, chegou a se aborrecer profundamente). Consagrado pianista e compositor, tornou-se, em 1897, regente do Teatro Imperial de Moscou.
Esse sucesso inicial foi, entretanto, seguido de um severo fracasso, quando sua Primeira Sinfonia recebeu acolhida glacial do público. Os ataques cruéis de críticos (como o teórico nacionalista César Cui) afetaram profundamente Rachmaninov e agravaram suas tendências depressivas, a ponto de torná-lo incapaz de compor. Submeteu-se, então, a um tratamento de hipnose e, três anos depois, começou a escrever o Concerto para piano nº 2 em dó menor, que dedicou a seu médico. Desde a primeira apresentação, em 1901, com o próprio compositor ao piano, a obra obteve enorme sucesso, marcando o início de novo e frutuoso período criativo. Rachmaninov fez muitas e extensas turnês, temporadas na Alemanha e na Itália, consolidando a reputação de pianista inigualável, o Liszt do século que se iniciava.
Em 1909 realizou sua primeira viagem americana, para a qual compôs o Concerto nº 3 em ré menor. Retornando à Rússia, entre 1910 e 1917, Rachmaninov publicou os Prelúdios, os Études-tableaux e a Sonata nº 2, ampliando um repertório pianístico que, indubitavelmente, é a parte mais apreciada de sua obra. Entretanto, as lutas políticas e sociais se acentuavam no país e, dois meses após a Revolução de Outubro, por ocasião de um concerto em Estocolmo, o compositor, acompanhado da mulher e das duas filhas, exilou-se definitivamente. A Rússia que assistira à sua ascensão como pianista, compositor e regente não existia mais.
No final de 1918, os Rachmaninov partiram para os Estados Unidos, onde o artista viveu os últimos anos, dedicando-se primordialmente aos concertos, em detrimento da criação. Mais de três quartos da obra de Rachmaninov foram escritos antes de 1917. A partir daí, o pianista ofuscava o compositor que, entretanto, sobretudo em períodos de férias europeias, ainda elaborou obras importantes – o Concerto nº 4, a Rapsódia sobre um tema de Paganini, as Variações sobre um tema de Corelli, a Sinfonia nº 3 e as Danças sinfônicas.
A Sinfonia nº 3 divide-se em três movimentos e utiliza uma orquestra muito grande. Rachmaninov, no entanto, prioriza a diversificação das sonoridades sobre os efeitos de massa.
O movimento inicial é precedido de uma pequena introdução (Lento) que apresenta o tema cíclico da obra, de caráter austero e despojado, tocado em uníssono por clarinetes, trompa e violoncelo. Um repentino e breve fortíssimo precede o Allegro moderato, construído sobre dois temas. O primeiro, eslavo e melancólico, aparece nas madeiras. O segundo tema forma uma melodia nobre e lírica, cantada nos violoncelos e fagotes. O desenvolvimento é caracterizado por certo nervosismo, pela sucessão rápida das frases, por ritmos abruptos, numerosas síncopes e notas irônicas no xilofone. O tema cíclico reaparece nos metais antes que o movimento termine solene e heroico.
O Adagio non troppo começa com o tema cíclico na trompa, sobre acordes da harpa. Segue-se uma longa e melancólica melodia, desenhada pelo violino solo, depois, por todos os violinos. Na sequência, é entregue à flauta e ao clarinete grave. A parte central, totalmente diversa, consiste em um scherzo denso, enérgico e ritmado. No retorno da primeira seção, a triste melodia aparece muito abreviada e com variantes.
O tema cíclico adquire um papel importante em todo o episódio do Allegro final, que se inicia com caráter dançante e popular. Logo, porém, uma melodia em arpejos provoca uma sensação de languidez. Para fechar essa primeira seção, o trompete proclama o tema cíclico. Segue-se um fugato – Allegro vivace – com a citação do Dies Irae da missa de réquiem gregoriana. Esse cantochão medieval sempre fascinou o compositor (aparece em suas três sinfonias, na Ilha da Morte, em algumas peças para piano solo e na Paganini Rhapsody. E está presente ainda na Totentanz de Liszt, uma das peças de sucesso do pianista Rachmaninov). Após a reexposição, o tema cíclico surge em uma variante ritmada no staccato das cordas e ornamentado nos arabescos da flauta.
A Sinfonia nº 3 em lá menor estreou em novembro de 1936, na Filadélfia, sob a regência de Leopold Stokowski. É bastante demonstrativa do estilo final de Rachmaninov, quando sua linguagem, mantendo-se sempre pessoal e anacronicamente romântica, entretanto se moderniza pela ciência dos timbres orquestrais e pelo senso admirável dos detalhes.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.