Sinfonia nº 7 em Mi maior

Anton BRUCKNER

(1881/1883)

 

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 8 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Anton Bruckner nasceu na Alta Áustria, em uma família de modestos professores rurais e músicos amadores. Aos treze anos perdeu o pai e, na condição de órfão e cantor, foi admitido como aluno no deslumbrante mosteiro barroco de São Floriano, em meio a uma paisagem idílica e obras de arte estupendas dos séculos XVII e XVIII. Seu inusitado talento musical foi logo reconhecido pelos professores nas aulas de composição, órgão e violino. Bruckner recordaria com carinho esses anos felizes – durante toda a vida permaneceu devotado e submisso aos ensinamentos religiosos dos monges que o educaram e nunca deixou de visitar com frequência o mosteiro, onde gostava de tocar órgão e buscava serenidade espiritual para compor.

 

Terminados os estudos regulares, Bruckner seguiu os passos de seus ancestrais na carreira mal remunerada de mestre escola em aldeias da região. Em contraste com uma prodigiosa inteligência musical, aparentava inaptidão quase patológica para as coisas práticas da vida. Homem muito tímido, nunca se casou, embora vivesse sempre apaixonado. Sua ingenuidade levou-o a protagonizar episódios cômicos que suscitaram preconceitos e sarcasmos ofensivos.

 

Autodidata perseverante, Bruckner sempre buscou o conselho de bons professores, mesmo depois de adulto. Revia constantemente suas obras e aceitava de bom grado as sugestões de maestros e instrumentistas. Quando obteve a grande chance de trabalhar como organista na Catedral de Linz, procurou o regente local para se aperfeiçoar em técnica orquestral. Otto Kitzler lhe revelou a obra de Wagner e, perto dos quarenta anos, Bruckner iniciou, com entusiasmo juvenil, um período de experiências e ensaios, compondo duas novas sinfonias que manteve inéditas por considerá-las apenas como exercícios estudantis.

 

Embora dificilmente se possa imaginar um discípulo cuja personalidade fosse mais diametralmente oposta à do mundano, arrogante e culto mestre de Bayreuth, a admiração de Bruckner por Wagner se transformou em veneração, principalmente após assistir à primeira apresentação de Tristan und Isolde em Munique (1865). Oito anos depois teve a honra de conhecer pessoalmente seu grande ídolo e lhe ofereceu a partitura da Terceira Sinfonia. Wagner aceitou com benevolência a dedicatória, mas desdenhava qualquer música que não se subordinasse ao drama musical e nunca demonstrou maior interesse por sinfonias, gênero que considerava esgotado com o coral da Nona de Beethoven.

 

Bruckner, por sua vez, manteve-se alheio às preocupações filosóficas e literárias da arte wagneriana, da qual só assimilou a ousadia harmônica e a ciência da orquestração. Mais que uma influência, Wagner significou para ele uma libertação. Após a descoberta de Tristão, Bruckner, que antes temia ser considerado revolucionário, passou a assumir as próprias inovações, embora o principal impulso de sua música continuasse sendo a religiosidade. De fato, em tudo que compôs, nas Missas ou nas Sinfonias, transparece o desejo de escrever música para a glória de Deus – com a dedicação de um artífice e a certeza bíblica de que o trabalho enobrece o homem. Sob esse aspecto, a arte de Bruckner lembra a de Bach e antecede a de Messiaen. Sua maneira de compor em blocos sonoros de colorações diferenciadas se inspira, claramente, na escrita para o órgão, instrumento religioso por excelência. Um “místico gótico extraviado no século XIX” (nas palavras do célebre regente Wilhelm Furtwängler), Bruckner criou tanto a missa-sinfonia quanto a sinfonia religiosa.

 

De qualquer forma, a admiração por Wagner rendeu para Bruckner a alcunha de Sinfonista de Bayreuth e a inimizade cruel dos antiwagnerianos, entre eles o crítico Hanslick, notório partidário de Brahms. Nos últimos anos de vida, Bruckner recebeu honrarias, inclusive internacionais, mas todas contemplavam o virtuose organista e o exímio improvisador. Suas obras (com destaque para as sete Missas, o Te Deum e as nove Sinfonias), ao contrário, nunca conseguiram ganhar a aprovação unânime de seus contemporâneos, apesar do empenho de regentes ilustres como Hans Richter, Arthur Nikisch e Gustav Mahler. A Sétima Sinfonia foi a primeira que se impôs ao público, quando Bruckner já atingira os sessenta anos.

 

Dedicada ao rei Luís II da Baviera, a Sétima Sinfonia constitui, na verdade, uma homenagem a Wagner, morto em fevereiro de 1883. Bruckner certamente pensou em uma elegia fúnebre, quando compôs o sublime segundo movimento – Adagio –, evidenciando a sonoridade maravilhosa de um quarteto de tubas tipicamente wagneriano. Em seus quatro movimentos, a Sétima Sinfonia apresenta uma síntese de tudo o que Bruckner desenvolveu no campo sinfônico: o uso periódico da frase de oito compassos; dimensões muito amplas que exigem uma orquestra poderosa; a existência de três temas no primeiro movimento (Allegro moderato); a presença de elementos folclóricos austríacos (principalmente no Scherzo); um princípio estrutural (célula-mãe) comum aos diferentes movimentos e que, no Finale, culmina em impressionante e triunfal ápice sonoro. A estreia da Sétima Sinfonia em dezembro de 1884, regida por Nikisch, marcou definitivamente a consagração de Bruckner como grande sinfonista e orquestrador.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.

anterior próximo